3.1. Considerações iniciais

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 O ser humano, em toda a história da humanidade, sempre utilizou a música como veículo de transmissão de sentimentos, ideias e ideais, seja para celebrar um acontecimento, espalhar notícias, comunicar uma mensagem, contar uma história. E um compositor, antes de escrever notas no papel ou antes mesmo de executar em um instrumento a sua criação, produziu os sons de sua inspiração em sua própria mente, através da imaginação sonora. Assim como outras artes, a música é uma espécie de "materialização" da emoção, vem do mundo íntimo para o mundo manifestado.

Jung afirma que "de certa forma, a música expressa o movimento dos sentimentos (ou valores emocionais) que acompanham os processos inconscientes. (...) A música expressa em sons o que as fantasias e visões exprimem em imagens visuais". (JUNG, 2002, p. 150)

E Fregtman diz que "o caudal energético contido numa obra musical age como um acorde dinâmico, produto do ser humano que o elaborou em consonância com seus próprios valores". (FREGTMAN, 1986, p. 134)

Mas quais são esses valores, e de onde eles vem? Do ego, da persona, ou de um complexo inconsciente, sombrio?

É ainda Fregtman quem diz, em sua linguagem própria: "A inspiração musical se manifesta num nível superior da estrutura humana." (1986, p. 136)

Para os junguianos, estas afirmativas combinadas parecem querer dizer que toda a inspiração e/ou imaginação musical vem principalmente do inconsciente pessoal, e em grande parte, da sombra. Naturalmente, não se descarta a participação da consciência no processo, ao utilizar o poder de escolha do material previamente estudado e conhecido para integrar uma obra em processo de criação. Mas, assim como o inconsciente é infinitamente maior e mais vasto que a limitada consciência, entende-se que a maior parte do conteúdo utilizado na composição musical venha diretamente da parte desconhecida de nossa psique. E mais, considera-se que este fenômeno ocorre não apenas entre artistas compositores, mas também em todas as pessoas, pois, ordinariamente, todos produzem "imagens musicais mentais".

Tenho a impressão de que a maioria das nossas imagens mentais musicais não é voluntariamente comandada ou evocada; elas parecem surgir de forma espontânea. Às vezes brotam de súbito na mente, outras vezes podem estar lá tocando de mansinho, sem nos darmos conta. Embora as imagens mentais musicais voluntárias possam não ser de fácil acesso para pessoas relativamente não-musicais, praticamente toda pessoa tem imagens mentais involuntárias. (SACKS, 2007, p. 44)

E às vezes a própria criatividade se confunde com conteúdos da memória esquecida e abandonada no inconsciente, ou, colocando de outra forma, conteúdos da memória podem ser e são acessados inconscientemente e reaproveitados, rearranjados de forma criativa.

Estamos em terreno muito mais rico, muito mais misterioso quando consideramos as melodias ou fragmentos musicais que não ouvimos ou nos quais não pensamos talvez há décadas e que, de súbito, nos tocam a mente sem nenhuma razão perceptível. Eles não decorrem de exposição recente nem de repetição, e é quase impossível evitarmos perguntar: "Mas por que essa melodia neste momento? O que a pôs na minha mente?" (SACKS, 2007, p. 46)

Mas, sempre, de uma forma ou de outra, toda a produção musical de um ser humano vem de si mesmo, de sua mente profunda, desconhecida, sombria. Diz Fregtman (1986, p. 55): "a imagem sonora que creio ouvir é criação minha e existe indivisivelmente ligada a mim".

Então, de que maneira estes conteúdos sombrios, os impulsos da sombra, atuam sobre cada elemento da música ao ser criada, e assim podem ser percebidos e identificados?

A música da sombraWhere stories live. Discover now