3.2. Nos parâmetros do som

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 Deve-se começar pelos parâmetros do som. No que se refere à altura, pode-se dizer que os sons graves, por se constituírem de ondas maiores e mais lentas, são os que mais facilmente atravessam os objetos sólidos, o que faz com que sejam mais claramente percebidos no útero, e portanto tendem a ser desde cedo associados à sensação de tranquilidade, conforto, segurança etc. Assim, naturalmente são do tipo de sons buscados num processo de composição, quando se quer expressar essas sensações, ao passo que os sons agudos costumam invocar atenção, proatividade, tensão etc.

Sons fortes tendem a ser associados com gritos, e podem servir para extravasar raiva, dor, revolta, ou alegria, celebração e expansão. Por outro lado, os sons fracos se prestam melhor a músicas de meditação, relaxamento, transmissão de carinho, aconchego, temas para reflexão e similares.

No quesito duração, pode-se dizer que músicas lentas (ou seja, com maior quantidade de notas e acordes longos) adequadamente refletem um momento íntimo tranquilo, talvez triste, certamente introvertido; e uma de feição mais rápida (mais notas e acordes curtos) geralmente denota extroversão na alegria, agitação ou quiçá expressão infantil.

Ainda no âmbito da duração, fazemos a distinção entre compassos binários, ternários e quaternários. Os primeiros, com dois tempos, são típicos de marchas, algum material de origem regional (como fado, baião e várias tradições folclóricas, por exemplo) e também de samba e todas as suas variações, incluindo a bossa nova. Já os compassos ternários, com três tempos, são principalmente utilizados em valsas, de todos os tipos, das mais tradicionais (como as vienenses), passando pelas de seresta, até as mais aceleradas, encontráveis com frequência também em tradições folclóricas. E os quaternários, com quatro tempos, remetem ao rock, pop e ao jazz. Por estes serem gêneros amplamente difundidos em todo o mundo, pode-se dizer que tais compassos são os mais comuns na música dita popular.

Certamente cada um dos estilos citados, bem como a infinidade de outros não mencionados, são inconscientemente associados por cada pessoa às suas experiências individuais e coletivas, ao meio ambiente e familiar em que cresceu, aos bons e maus momentos que viveu enquanto submetido à audição de obras com tais características, que passam a funcionar na psique como "âncoras auditivas".

Um compositor é levado a escolher o compasso de sua obra conforme o gênero em que deseja inserir sua composição, e, assim, acaba realizando tal escolha conforme seu desejo de expressar sentimentos que estão intimamente ligados às suas vivências. Mesmo no caso da música erudita (orquestral ou não), na qual é comum a alternância de compassos, imperceptivelmente o criador se deixará levar por referências inconscientes ditadas pelas experiências obtidas em sua interação com o mundo, ou, em outras palavras, pelos conteúdos armazenados em sua sombra, sejam estes positivos ou negativos, projetando-os sobre suas criações.

A questão do timbre é um pouco mais complexa, pois parece agregar tanto a questão da experiência pessoal, quanto aspectos ainda mais subjetivos. Do ponto de vista da vivência, reconhece-se na preferência por instrumentos de cordas, sopro ou percussão, também a influência do meio em que se cresceu e recebeu educação. O tipo de instrumento mais utilizado na região onde se passou a infância e/ou juventude, ou aquele que um parente tocava em casa e nos eventos familiares, certamente passa a ocupar um espaço de destaque no inconsciente pessoal, e acaba sendo mais eleito para arranjos e orquestrações, sem que o compositor perceba ou saiba explicar o motivo de sua escolha. Mas pode-se também relacionar esta escolha a critérios mais sutis, como por exemplo quando se supõe que instrumentos de sopro (especialmente os metais, como trompete, saxofone, etc) possuem som mais "quente", enquanto os de cordas são mais "envolventes" e "acolhedores", ou os de percussão são mais "secos" e "primitivos". Isto, conforme a percepção que o compositor tiver, e o padrão que atribuir a cada uma destas famílias de instrumentos, atuará, na opção por esta ou aquela, como uma tentativa não consciente de transmitir a sua própria sensação de "calor", "acolhimento" ou "crueza", ou qualquer outra emoção que estiver por ele associada àquele timbre.

Antes de prosseguir, deve-se deixar claro que, assim como para interpretar um sonho é necessário conhecer o sonhador, da mesma forma, para se identificar estes elementos em uma obra musical é importante se conhecer o compositor e as circunstâncias em que ele está inserido, pois trata-se de aspectos subjetivos, pessoais e variáveis. O máximo que é possível garantir é uma aproximação de padrões, que podem e devem ser questionados conforme a situação.

A música da sombraWhere stories live. Discover now