quatro

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AGORA










            𝗡𝗔̃𝗢 𝗘́ 𝗣𝗢𝗦𝗦𝗜́𝗩𝗘𝗟 𝗤𝗨𝗘 𝗘𝗨 esteja sendo tão ordinariamente patética. Já fazia uns vinte oito minutos, quase meia hora, que acordei e me tranquei no banheiro da minha suíte.

É claro que meu instinto de proteção está fazendo de tudo para me convencer de que, na verdade, é só o meu ritual matinal após um fim de semana intenso. Entretanto, eu e ele sabemos que isso é pura baboseira. Estou me escondendo, e constatar isso está me dando nos nervos. Não sou mulher de se esconder e se intimidar, quem dirá por um cara que infernizou grande parte da minha vida. Aprumo os ombros.

Escuto as vozes distantes, provavelmente vindas da cozinha. Respiro fundo mais uma vez e fito meu retrato impassível no espelho redondo do banheiro. Apoio minhas mãos na pia de mármore grego e a agarro com força, como se fosse uma âncora de salvação.

– Você é metade dona desse apartamento. É ele quem é o intruso. – digo, para mim mesma, a voz firme. Esse será o meu novo mantra a partir de agora.

Aliso o tecido madrepérola, de seda, da minha camisa de botões presa por dentro da saia lápis preta, de comprimento midi. Ele já estava impecável, mas o gesto era mais como um tique nervoso. Pego, mais uma vez, a embalagem prateada do meu batom e retoco a película matte, no tom rosa avermelhado de cereja. Faço um barulhinho extravagante para assentar a cor e voila, escudos erguidos.

Ajeito rapidamente o meu cabelo, prendendo os longos fios dourados, ondulados e volumosos em um coque baixo despretensioso. É justamente quando percebo que minha súbita covardia em gastar minutos preciosos dentro do banheiro, muito provavelmente me custará chegar atrasada na revista.

Em tempo recorde, desliso meu fiel escudeiro Christian Louboutin pelos meus pés cobertos pela meia calça grossa e cor da pele. No meio do processo, quase caio de bunda no chão umas dez vezes. Por sorte, consigo pegar o denso sobretudo de lã creme sem causar nenhum dano permanente.

Estou terminando de enrolar o cachecol cor de linho cru no pescoço, quando enfim alcanço a grande área bem iluminada — principalmente pelas janelas panorâmicas que cercam este espaço do apartamento — da sala de estar e cozinha. Meri e Luke cessam a risada contida assim que o clap-clap do salto atingindo o piso toma conta do recinto.

– Bom dia. – saúdo, para ninguém em específico. Ando até a parte interna da cozinha, ignorando os dois pares de olhos azuis queimando minhas costas. Começo a preparar meu chai latte — a única maneira encontrada por mim, que me permitia ingerir chá de bom grado.

Ouço um assobio baixo.

– Estamos esperando alguém importante? – Luke quis saber, vomitando uma falsa confusão nas palavras. Tensiono os ombros e quase deixo cair água quente fora do copo. Desgraçado. – A rainha Elizabeth, talvez?  Ou quem sabe o George Clooney?

Meri dá uma risadinha descompassada.

Visto minha melhor máscara de desdém. Rodo nos calcanhares e encaro Luke à mesa oval, a superfície repleta de embalagens da Pat e algumas da Ferrara Bakery — lugar onde vendia os cannolis preferidos de Meri —, a uns dois metros e algumas mobílias de mim. Me pergunto brevemente se cheguei a passar tanto tempo no quarto, a ponto dos dois terem voltado com o café da manhã de lugares que ficam a longos minutos daqui.

Sempre Foi Você #1 [REESCRITA]Donde viven las historias. Descúbrelo ahora