7.OS SENTIMENTOS MUDAM

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Quando o sol finalmente começou a desaparecer no horizonte, naquela tarde que eu havia esperado por tanto tempo, eu me sentei na poltrona de veludo branco e fechei os olhos. Dois anos haviam se passado, dois anos inteiros sem o brilho âmbar daqueles olhinhos. Naquele quarto, tudo ainda cheirava a ela. Cada detalhe, cada cor, cada brilho, cada raio que o sol poente enviava aquele lugar, lembrava-me Satine.

Naqueles anos, longe dela, minha vida se resumiu a nada. Absolutamente um arremedo de existência sem sentido. Lutas e guerras, e sofrimentos e sangue. Era isso que eu era longe dela – um matador. Não houve um dia sequer, em todos estes anos, que eu não pensasse em minha pequena criança. Não houve uma noite sequer que eu não tenha pensado em como eu gostaria de coloca-la para dormir. Agora, eu estava ali, esperando, mas minha espera terminaria hoje.

Félix entrou no quarto e soltou um grunhido abafado seguido de um riso debochado.

- Companheiro quem diria!

- Não estou para piadinhas hoje, Félix.

- Pois deveria! Afinal, nossa jovem senhora chegará em breve.

Eu baixei minha cabeça sobre as mãos. Félix havia tocado o ponto – eu tinha medo de encontra-la. Não que eu não quisesse vê-la, isso era tudo que eu mais queria; mas eu tinha medo do que eu encontraria. Como se pudesse ler meus pensamentos – e às vezes eu realmente achava que eu podia – Félix colocou a mão sobre meu ombro.

- Ela está esperando por você. Você prometeu a ela.

Eu suspirei fundo e sorri.

- Não acha mesmo que eu vou fugir de uma garotinha, não é?

- Certamente que não, general.

Satine havia escolhido o último trem de Paris para voltar para Volterra, obviamente, por que nenhum de nós poderia busca-la com o sol no céu. Félix e eu seguimos para a estação. Félix com o Ford de Aro e eu, é claro, com o meu cavalo. Andar naquele pequeno pedaço de lata me deixava nervoso, e a julgar por velocidade, Trovão era bem mais rápido.

Enquanto eu cavalgava pelas ruas escuras de nossa cidade, levei a mão dentro do meu casaco. Dias atrás, em uma viagem a Florença, eu havia comprado uma boneca de porcelana. Uma linda bonequinha, cuja pele tinha um tom aproximado ao da pele de Satine. Ela tinha cabelos cor de chocolate e um lindo vestido de cetim rosa. Eu passei vários dias olhando aquela boneca e pensando em minha princesinha.

Félix e eu paramos perto do desembarque. Eu queria vê-la assim que ela descesse do trem. Meu corpo estava inquieto e agitado e eu não conseguia ficar parado por mais que alguns minutos, o que não era comum para um vampiro.

- Você fará um buraco no chão.

Eu não respondi. Eu estava inquieto demais e ansioso demais para me preocupar com as bobagens de Félix, e pensando bem, eu iria mesmo acabar fazendo um buraco no chão.

Levei a mão dentro do casaco novamente, e tirei a boneca. Eu sabia que Félix iria, no mínimo, rir de mim; mas eu não me importava. Ele era meu amigo e eu não tinha segredos para ele.

- Veja, eu comprei para ela.

Para minha surpresa, Félix não riu. Ele apenas arqueou a boca em um semi-sorriso, e olhou em meus olhos.

- É linda. Tenho certeza de que ela vai adorar.

Eu sorri de volta.

- Estou com saudades dela – eu confessei.

- Eu também. Sinto falta da vida que ela nos trazia.

Ficamos ali, olhando as pessoas passarem de um lado para o outro, ocultando nossas figuras nas sombras. Os olhos ameaçadores escondidos por óculos escuros.

I Love DemétriOnde histórias criam vida. Descubra agora