11.ORIGENS

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Eu busquei o papel em meu bolso e o abri, mais uma vez. Era um papel perfumado e muito delicado, como ela, embora as palavras me machucassem como lanças.

Querido Demetri,

Hoje, eu consigo entender que você não pode me amar. Hoje eu consigo perceber que tudo foi um erro. Não existe possibilidade alguma de um homem como você apaixonar-se por algo como eu. Eu nem mesmo sei o que eu sou. Ninguém sabe. Algumas vezes eu me pergunto se foi uma boa idéia vocês terem me salvado. Se nem mesmo minha mãe me quis, porque vocês iriam me querer?

Eu entendo o amor que vocês sentem por mim, é difícil não se apegar a algo que se cria, mas eu entendo que para por aí. Não se preocupe, eu não estou triste ou chateada, eu estou apenas conformada. Não existe ninguém como eu e é por isso que eu devo ficar sozinha.

Diga a Aro e a Filó que eu os amo muito e que sinto falta deles. Agradeça a todos por tudo que fizeram por mim, e diga que eu não vou voltar. Diga que eu não posso. Não enquanto eu não souber o que eu sou.

Eu não espero que você entenda. Eu espero apenas que você aceite. E que se lembre, sempre, que eu te amo.

Amor,

Satine.

Eu já havia lido aquela pequena carta tantas vezes, que o papel estava vincado e quase rasgando. Eu não sabia o que fazer. Pensar no que ela sentia me machucava tanto que eu quase não podia agüentar.

Tantas vezes eu pensei em ir atrás dela. Tantas vezes eu desisti. Eu não podia oferecer um futuro á ela. Eu não podia trair a confiança de meu mestre. Por mais que eu a amasse, ela seria mais feliz longe de mim. Talvez agora, oitenta anos depois ela já estivesse nos braços de alguém. Talvez ela estivesse apaixonada, e feliz. Isso doía ainda mais em mim. Não que eu não quisesse vê-la feliz, o que eu não queria era que ela fosse feliz longe de mim. Tanto tempo depois e eu não a esqueci um só momento. Quase um século depois, a imagem dela ainda era a mesma em minha mente.

O tempo passa diferente, quando se tem a eternidade. Décadas são como meses e séculos passam como anos, mas não para mim. Eu contei cada dia, cada mês, cada ano. Eu contei cada amanhecer sem ela, e cada anoitecer também. Eu contei cada visita que o mestre fez a ela. Eu olhei cada fotografia muitas e muitas vezes. Uma, eu guardo em meu bolso, o tempo todo, para poder olhar em seu rosto. A menina de cabelos ondulados na foto é muito diferente da mulher que eu vi aqui, da última vez. Seus olhos são mais vivos e menos inocentes. Ela está parada de braços abertos, com a torre Eiffel ao fundo. Calça jeans e um blusão da escola de medicina Sorbonne, em Paris. Linda e inteligente. Minha garotinha queria ser médica. Na verdade, não era a primeira vez que ela estudava medicina. Ela amava estudar.

As coisas haviam mudado tanto no mundo. Eu ás vezes me sentia estranhamente fora do padrão. Eu também tinha mudado um pouco. Meus cabelos estavam mais desalinhados a arrepiados e usava jeans, mas algumas coisas nunca mudaram. O amor que eu sinto por ela, por exemplo. Em todo este tempo, eu nunca amei outra mulher, embora tenha perdido a conta de com quantas me deitei.

Tantas contradições. Minha cabeça girava de um lado para o outro sem parar.

Eu ouvi os passos, mas não quis me virar, não importava quem fosse, eu não queria conversar.

- Saudades?

A voz doce e compreensiva de Renata ecoou pelo subterrâneo. Eu não respondi. Não precisava. Renata me conhecia bem, ela sabia da verdade. Ela sentou-se ao meu lado, e pegou a carta das minhas mãos, fechando-a.

- Você deveria ir para Paris.

- Eu não posso. Ela me pediu que não fosse.

- E você acreditou?

I Love DemétriWhere stories live. Discover now