são paulo • [r.l.]

54.

5/6

O silêncio era desconfortável. Tomavam café da cafeteira de Rafael na cozinha, Eredin deitado no colo de Amanda, que fazia carinho no cachorro sem pensar muito, olhos presos no líquido escuro em sua caneca. Ele suspirou, colocando sua própria caneca na mesa e a encarando.

— Loirinha?

Ela lhe lançou um olhar rápido antes de voltar a encarar o café.

— Você quer me falar alguma coisa?

Ela balançou a cabeça em negação, ainda evitando os olhos dele.

— Tem certeza? — dessa vez, ela assentiu, arrancando mais um suspiro por parte do loiro. — Eu te mandei várias mensagens, te liguei várias vezes. Aconteceu alguma coisa com o seu celular?

Amanda virou o corpo e apontou para o chão. Ali jazia seu celular, parcialmente despedaçado. Ela provavelmente o jogara contra a parede. Rafael passou a mão pelos cabelos, frustrado. Apoiou as costas na cadeira e cruzou os braços.

— Sabe, todos estão muito preocupados com você. De acordo com a Bella, a Diana 'tá tão próxima de surtar que tiveram que encontrar a bombinha de asma dela.

Pela primeira vez desde que ele adentrara o apartamento, ela olhou para o rosto dele de verdade. Ele conseguia ver a confusão na expressão dela.

— Estão?

O loiro piscou em surpresa.

— Preocupados com você? É claro, loirinha. Todos estamos, a gente se importa contigo, e muito. Agora, você vai falar comigo ou não? — a última frase saiu com certo tom de diversão, um sorriso cuidadoso em seus lábios.

Ela soltou uma risada rouca e quebrada, e algo dentro dele se apertou quando ela voltou a encarar o café.

— Eu... — ela começou, incerta, como se ainda estivesse decidindo o que dizer. Ficou em silêncio por alguns segundos, e então pareceu escolher: — Quando a gente se conheceu, os hematomas ainda não tinham sumido.

Rafael não sabia exatamente o que esperava, mas definitivamente não era aquilo. Seu coração acelerou tanto no peito que conseguia ouvir seus próprios batimentos.

— O quê?

Amanda colocou uma mecha do cabelo loiro atrás da orelha, concentrando-se em acariciar o pelo de Eredin.

— Eu não sei se você sabe, mas o meu irmão mais velho, o Ricardo, é estudante de medicina. Eu inventei pra ele que tinha caído da escada e mandei fotos pra ele ver. Eu acho que ele não acreditou muito na minha desculpa, mas foi gentil o suficiente pra não questionar nada. Ele me disse que hematomas como aqueles podem demorar até quarenta dias pra sumir completamente, mas que ficariam mais suaves se eu colocasse um pouco de gelo.

Ela levantou a cabeça, uma lágrima solitária escorrendo por sua bochecha. Rafael queria aproximar-se, abraçá-la, mas não sabia se podia, ou se devia, então se manteve em seu lugar, extremamente atento em cada palavra que saía pelos lábios de Amanda.

— O meu término com o Guilherme não foi "de boa" ou "tranquilo", mas eu falei pra todo mundo que a gente conversou e percebeu que éramos melhores só como amigos. Eu não tive coragem de dizer a verdade. Você... Você é a primeira pessoa pra quem eu 'tô contando isso.

Instintivamente, mudou a cadeira de lugar para que pudesse segurar uma das mãos dela.

— Eu não consegui contar pra ninguém porque eu sempre pensei que boa parte da culpa fosse minha. A briga começou porque ele 'tava gritando comigo por qualquer motivo, que nem ele fazia sempre, e eu 'tava de mau-humor e gritei de volta. Aí a gente começou a gritar um com o outro e, sinceramente, eu não lembro muito o porquê. Eu só lembro que, em algum ponto, ele simplesmente me atacou e eu não—

Ela se interrompeu. Rafael apertou a mão dela, querendo transmitir algum suporte, sentindo tristeza e algo parecido com fúria borbulharem em seu peito.

— Depois ele me pediu desculpas e disse que me amava pela primeira vez. Eu não disse que amava ele de volta e a gente acabou terminando — riu sem humor. — E eu não falei nada pra ninguém. Digo, como eu poderia? Olha onde eu fui me meter! O Guilherme bateu em mim. O Guilherme. Ele nunca faria isso, certo? Não é o tipo de coisa que ele faria, então a culpa tinha que ser minha, não dele, porque eu estrago tudo, sempre. Ele sempre me dizia isso e eu acho que ele 'tava certo nesse ponto — mais lágrimas caíram. — Foi difícil falar com a Diana depois de tudo. Eu não queria estragar a minha amizade com ela ou atrapalhar a vida familiar dela então eu fiquei quieta, e eu não contei pra Bel e pra Giulia porque não parecia certo. Aí essa semana ele disse que queria me ver e eu nem sei porque eu aceitei, mas agora...

Ela tentou falar mais alguma coisa, mas a única coisa que saiu foi um som parecido com um soluço, e depois disso as lágrimas só continuaram descendo.

Minutos depois, encontravam-se na cama dela, Eredin deitado próximo aos seus pés enquanto ela apoiava a cabeça no ombro dele e abraçava o travesseiro azul, já mais calma, mas com o rosto ainda molhado.

Rafael passava os dedos pelos cabelos dela com carinho, seus únicos desejos sendo arrancar a cabeça do irmão de Diana e proteger sua namorada de todo o mal do mundo.

O loiro sentiu o coração parar.

Eu a chamei de namorada.

— Desculpa — ela murmurou, atraindo sua atenção novamente. Ele suspirou.

— Você não tem que pedir desculpa por nada, porque você não tem nenhuma culpa. Nenhuma, 'tá entendendo?

Ela se afastou para poder encará-lo, com as sobrancelhas franzidas, colocando o travesseiro de lado.

— Mas eu—

Ele a interrompeu, segurando o rosto dela com suas mãos, sério.

— Você não tem culpa de nada e você não estraga nada, loirinha. O Guilherme é um bosta e você nunca fez nada de errado. Você não tem que proteger a Diana ou qualquer um da verdade. Você não tem culpa. Você é incrível, e você é linda, e você só merece as melhores coisas do mundo porque você é uma delas.

Encararam-se por alguns segundos, perdendo-se nos olhos um do outro antes que ela se aproximasse lentamente e deixasse um único beijo em seus lábios antes de abraçá-lo novamente.

— Você quer passar a noite aqui? Eu não quero dar tchau pro Eredin ainda.

Ele soltou uma risada, apertando-a contra si.

— Claro, loirinha. Tudo que você quiser.

Ela sorriu, deixando-se ser engolida pelos braços e pelo carinho de Rafael.