Então

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Resolvi porque resolvi,
Pegar carroça e tralha
Puxada por burro velho,
E tocar do Jaú ao Tietê,
Tanto que me falaram
Desse tal rio,
Metido de grande
Que até corre
Pro lado errado.
Como sou mais teimoso
Que minha própria mula,
E, cansado de passar
Tanta vergonha,
Achei melhor não ficar pra trás.
Só com esse riozinho magro
Que corta meu arraial,
Todo preso num buraco,
Puro pau mandado.
Postei arreio no lombo
Do coitado dentuço
E lá fomos pro trecho
De chão batido.
De dia, muito sol,
Burro cansava e
Eu parava.
Não podia maltratar
Quem tanto trabalhara,
Puxando arado,
Na roça empreitada,
Abrindo cova naquele
Chão cheio de pedra.
Foram três dias e três noites
De viagem dura,
De terra ora seca,
Ora encharcada.
Sem viva alma
Pra se trocar
Um dedo de prosa.
De noite, a mula e eu
Descansámos.
Ela aliviada
Da carroça e do arreio,
Eu, dos trancos nos buracos,
Que machucavam
O espinhaço.
Deitado no chão árido,
Com coberta celeste
Onde cintilava um pisca-pisca,
Como se fossem milhões
De solzinhos pequeninos,
Que olhavam pra mim
E me contavam histórias,
Que eu guardava na cachola.
A mula, de pé, dormia,
Eu, deitado, ficava desperto
Depois do feijãozinho esperto,
Que socorre pança vazia.
Ficava a escutar o
Crepitar do galho seco,
Seu calor a me agasalhar.
Brasa queimava e alumiava
Aquela escuridão dos diabo,
Que só homem macho
Consegue vencer.
Os sapos num quac quac,
A coruja no seu uh uh,
Mas, com aquele monte de histórias,
Minha cabeça era igual a de criança:
Só tinha que dormir.

De manhã, acordava na paz,
Ia conhecer o metido do Tietê.
Era um sobe e desce,
Que ninguém acreditava.
A coitada da mula ficava arriada
Só de ver o que avistava.
Mas passaram os dias
E eu já ficava a imaginar
O barulho da água.
Cheguei num arraial,
Um tal de Barra Bonita.
Imaginei povo metido,
Vivendo de elogios
Feitos a si mesmos.
Então, como amigos do buteco diziam,
A parte bonita do Tietê
Ficava nessa Barra.
Vai ver que era por isso,
Que colocaram o Bonita.
Mas, não é que quando chego,
E me vejo diante
De todo aquele monte d'água,
Correndo pra baixo,
Aí Deus!!!
Só pode ser coisa Dele.
Que monstruosidade de grande!
Mal se via o outro lado,
Que tem nome difícil para pronunciar.
Há de se ter ligeireza
No mastigar de tantas letras,
Como quando se come
Quebra queixo ou rapadura.
Nas beiras do rio, terras boas,
Onde a mula, se trabalhasse,
Tirava de letra, na moleza.
Aquela água correndo clarinha,
Dava até pra beber,
E peixe vuava.
Vi tudo com meus dois olhos.

Fiquei na Barra,
Pesquei, me lavei e comi.
Dormi com o céu acima,
Ao meu lado, aquele
Burburinho dócil,
De rio que era grande.
Fui até bater um papo
Com um caboclo de lá,
Que me disse de onde vinha
Toda aquela montanha de água.
Eu não podia ficar pra trás,
Coitado do meu Jaú!
Comecei então
Aumentar minha história,
Mas não é que o sujeito,
Descarado e mentiroso,
Veio com conversa
Que o meu Jaú,
Gotejava por ali,
Como se fosse
Um pobre coitado.

No final, eu e a mula colocamos
Nossos rabos entre as pernas
E voltamos pelo mesmo trecho,
Vendo sol e lua,
Mas, numa pensão,
Tive de parar,
Pois o arreio cedeu.
Enquanto um mestre
Arrumava a barrigueira,
Uma bela bonetense,
De nome melado,
Que nunca vou esquecer,
E que me lembrava gracê,
Foi gentil e me deu uma cesta.
Ela me disse que
Estava cheia de quitutes.
Então, agradeci e sai
Todo sem graça.
Apenas meia légua adiante,
Fui saber que quitute
Era coisa de comer!
Peguei meu rumo,
Segui pro meu Jauzinho,
Com barriga cheia,
De tanto comer,
Que até com a mula dividi.
Eta, povinho metido aquele!
Tietê maior que o rio Jaú....
Eles que não sabem,
Mas deixa prá lá.

HummmmmWhere stories live. Discover now