Amor real

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O som de cascos de cavalo batendo no chão vinha leve, mas a frequência dava a entender que, fosse quem fosse, tinha muita pressa. Do escuro, ouviu pássaros cantarem nas árvores, como cantam sempre que alvorece depois de uma noite chuvosa.

Passos pesados deslocaram-se pelos corredores e se afastaram.

Abriu os olhos e estranhou a vista do quarto. Feixes de luz entravam por alguma abertura e iluminavam parcamente o recinto. Tentou se mover, mas o corpo estava pesado demais, cansado e dolorido. Sentiu o calor de outra mão na sua. Olhou para o lado e viu a testa suada, cheia de arranhões e cicatrizes.

Alguém abriu a porta com cautela. O contorno da silhueta denunciava que era Adália que andou pé ante pé pelo quarto, ainda vestida em trajes de dormir. Os cabelos castanhos avermelhados sequer estavam penteados e a mão esquerda segurava um papel.

Os olhos da mulher finalmente se firmaram e ela pulou para trás de susto, pois percebera as pálpebras abertas.

- Sorte? - Falou sem crer e pôs-se a abrir a janela.

Azarado, que dormira ajoelhado ao lado da cama, acordou com o movimento e a primeira visão que teve foi das íris castanhas pousadas sobre si. O coração acelerou em um ritmo frenético. O homem estapeou a própria face e viu Sorte olhar curiosa. Os lábios ressequidos abriram-se um pouco e ela gemeu.

- Meu Deus. - Adália debruçou-se sobre ela com lágrimas nos olhos.

Havia pouco tempo que todos se deitaram, era já quase manhã. Azarado permanecera ali para cuidar da moça, mesmo que também necessitasse de atenção.

A condessa correu do quarto até o próprio aposento, onde Pedro cochilava enfim. Sacudiu-o enquanto o chamava pelo apelido e o homem levantou grogue.

Adália pegou a mão de Pedro e começou a puxar enquanto falava:

- Vamos, ela acordou! Ela acordou, Pepito!

Quando Pedro finalmente compreendeu, colocou-se de pé em um salto e seguiu a mulher através dos corredores. Chegaram ao quarto e se abraçaram em uma demonstração de felicidade que não cabe no peito. Sorte ainda assistia confusa.

Azarado passava a mão pelos cabelos dela, ensebados de suor, enquanto sorria esperançoso. Ela vencera a pior das batalhas e conseguira acordar. Não tinha mais febre. Pareceria pouco para um observador fortuito, mas era muito para aqueles que conviviam com as mazelas do século dezenove e que sabiam que uma simples febre poderia anunciar o fim de uma vida.

Claro que ninguém considerou o fato de a medicina daqueles que moravam na aldeia ter começado o processo de cura, enquanto que a medicina de Astronildo terminara o processo. Tudo era um grande milagre. Que pensassem assim, então. De toda maneira as curas são colocadas na conta de um ser onisciente.

- Sorte, consegue falar? - Adália disse enquanto passava a mão pelo rosto da cunhada.

Pedro saíra para buscar Matilde e o médico.

Matilde chegou primeira, começou a agradecer a Deus quando viu a moça de olhos abertos. Pela primeira vez Sorte sorriu. Era bom ver aquele jeito da madrinha, como se o mundo fosse acabar. Sempre fora dramática.

- Menina! - Matilde exclamou. - Quase não acreditei na palavra de Pedro. Não consegue falar?

- Provavelmente ela consegue. - Doutor Astronildo fez sua entrada no quarto enquanto falava. - Mas possivelmente não consegue por estar com a garganta seca.

O homem gesticulou para que todos se afastassem da cama e começou uma série de exames.

- Está estável. - O médico disse e suspirou. - Só precisam seguir as indicações que darei e em breve ficará consideravelmente melhor.

Sorte e o Marquês (Donas do Império - Livro 1) [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now