17.

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— Eu sei que você ainda não me perdoou por tudo que aconteceu com a Sasa e você tem total direito de não querer olhar pra minha cara, mas... Mas eu 'tô fazendo terapia e também não sabia de nada e juro que não teve nenhuma mentira.

A garota de cabelos claros o encarava com as sobrancelhas franzidas e os braços cruzados, sentada numa mesa qualquer da praça de alimentação do shopping, agora já calma, porém ainda desconfiada.

— A Gabi me ligou semana passada. Eu 'tava quase pronto pra sair quando ela me ligou e me contou quem você era, e eu... Eu primeiro surtei, e depois decidi que queria me preparar mentalmente pra ter o que dizer.

Sentia-se sufocado aos olhos escuros e severos de Giovanna Elisa, julgando até o fundo de sua alma.

Tudo bem se ela o odiasse pra sempre.

Sabia que merecia.

— Ela me ligou assim que descobriu — continuou, ansioso, escolhendo suas palavras com cuidado. — Ela é a única outra pessoa que sabe dessa bagunça além de nós.

Aquilo pareceu chamar a atenção de Elisa.

— O Tom e a Gi não sabem?

— Não, eles não fazem a mínima ideia.

Ela mordeu o lábio, pensativa.

— E o Eredin existe mesmo?

Mesmo que sem querer, a pergunta trouxe um sorriso aos lábios do loiro. Quase que por acidente, ela sorriu de volta por um único segundo, mas então pareceu mudar de ideia e voltou a olhá-lo com indiferença.

— Ele existe, sim. Eu adotei ele pouco depois do término com a Flávia, minha terapeuta disse que seria legal procurar uma companhia, e, como eu não 'tava muito disposto a falar com pessoas...

— Como funciona essa terapia, aliás?

— Bom, eu vou no consultório da minha psicóloga uma vez por semana, ela diz que eu sou um bosta, eu choro, ela fala que o que importa é crescer e aprender, aí eu vou pra casa.

Giovanna soltou um riso leve, e Rafael pôde jurar que todos os pelos de seu corpo arrepiaram numa felicidade que não saberia explicar.

Talvez ela não o odiasse tanto assim.

O pequeno sorriso que tomara conta do rosto dela sumiu de novo, mas a pergunta que fez em seguida saiu em uma voz menos dura, mais suave e preocupada:

— Você já chegou a conversar com a Flávia sobre o que aconteceu?

Ele deixou os dentes morderem o lábio inferior, pensando em como responder, uma dúvida surgindo em sua mente.

— Eu mandei aquela carta, como você deve saber. Fora isso, não. Eu respeito o fato dela não querer mais falar comigo.

Confusão tomou a expressão da garota.

— Carta?

— É? Você não sabia?

— Não?

— Ah. Bom, eu queria conversar, mas ela não queria me ver e me bloqueou em tudo, o que faz total sentido, então eu escrevi uma carta e mandei por correio. Sendo bem sincero, eu não sei nem se ela leu.

— E o que tinha nessa carta?

Respirou fundo e, pela primeira vez desde o começo da conversa, não consegui encará-la enquanto falava:

— Eu pedi desculpas, disse que me arrependia, contei do tratamento. Nada demais.

— Tem certeza?

O garoto suspirou e passou a mão pelos cabelos, frustrado, e então a olhou no fundo dos olhos, de uma forma que a fez tremer levemente.

— Giovanna, você não tem ideia do quanto eu me arrependo por tudo que eu fiz com ela, de verdade. Eu amava a Sasa, mas eu não sabia lidar com a minha insegurança, e por isso eu fiz tudo errado. Na minha cabeça, ela só 'tava comigo porque eu 'tava me dando bem no Youtube, e apesar de eu ver o quão ridículo isso é agora, na época eu não via. Eu realmente sinto muito.

Os dois permaneceram em silêncio, olhando-se, por alguns segundos. Rafael quase conseguia ver as engrenagens girando na mente da garota, e esperava, do fundo de seu coração, que ela não decidisse que ele era indigno de sua companhia, mesmo sabendo que era o que merecia.

— Rafael — seu coração se aqueceu de forma estranha quando ela disse seu nome, dessa vez de forma calma, não gritando — eu tenho muita raiva do que você fez com a Sasa, muita mesmo, de verdade — ela pausou e mordeu o lábio por um segundo — mas, sabe, você... Você 'tá tentando, e eu... Eu aprecio isso, eu acho — ela suspirou e colocou as mãos sobre a mesa devagar. — Eu também acho que eu preciso processar tudo que você me disse e pensar sobre as coisas. E, apesar de tudo, você realmente virou meu amigo nesses últimos tempos, então... Sei lá, sabe? Eu só preciso pensar.

— Sim, sim, tudo bem, não se preocupe.

— Ótimo. Eu 'tô indo pra casa, então — ela começou a se levantar e ele fez o mesmo, nervoso. Ela passou o braço dentro da alça de sua bolsa e o olhou. — Eu te mando mensagem depois, pode ser?

Assentiu, e ela lhe lançou um sorriso forçado antes de acenar e ir embora.

— — —

Você acha que ela vai ficar de boa?

— Sei lá, cara, sei lá. Talvez. Mas, na moral, como que você e a Gi não perceberam quem ela era?

Tom revirou os olhos do outro lado da tela, concentrado no videogame que jogava com o loiro.

A gente não conheceu ela quando você e a Sa ainda 'tavam namorando e, sinceramente, se ela falou da Flávia pra gente alguma vez, ela não citou nomes.

Rafael apenas assentiu, também concentrado, apesar de continuar falando:

— Entendi. Eu espero que fique tudo bem, eu realmente gosto dela. A gente tem umas conversas legais.

A Lis é mó boa em achar assunto. A Gi já era apaixonada nos vídeos de música dela, mas depois que elas se conheceram, quase perdi minha namorada — as palavras arrancaram uma risada de seu amigo e Tom sorriu um sorriso ladino.

— É, a Elisa é ótima, mesmo — Rafael encarou o controle com um sorriso distraído, lembrando de como seu nome soava nos lábios dela, de como ela sorria quando ele sorria e de como os olhos dela brilhavam muito o tempo todo. — Muito, muito ótima. De verdade.

serenata existencialista • [r.l.]Onde histórias criam vida. Descubra agora