27.

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— Você quer pipoca doce ou salgada?

— Você nem gosta de pipoca doce, faz salgada.

O loiro revirou os olhos com um sorriso, agora na sua vez de ir até a cozinha estourar mais um saco de pipocas no microondas.

Elisa sorriu de volta, encarando a imagem pausada na TV com tranquilidade em todo seu corpo.

Poderia se acostumar a isso.

Gostava de ver esse lado descontraído de Rafael — percebera há algum tempo que, quando estavam junto de outras pessoas ou mesmo quando conversavam pelo celular, ele estava sempre tentando impressionar, tentando manter-se interessante. Quando estavam junto em seu apartamento, porém, comendo pipoca e assistindo a mais um episódio de Dark na Netflix, um tipo de calmaria parecia se apossar do tão inquieto loiro, e ele revelava camadas de si que costumavam ficar escondidas por trás de frases prontas para impedir o silêncio.

Nesses momentos, ele sempre perguntava se ela queria pipoca doce, apesar de preferir salgada, só porque sabia que ela gostava. Nesses momentos, ele encostava a cabeça no ombro dela devagarzinho. Nesses momentos, ele deixava o silêncio reinar porque não sentia a tão constante necessidade de manter uma conversa fluindo.

Elisa tinha a impressão de que Rafael tinha medo de mostrar-se desinteressante, tinha medo de que ela se cansasse dele.

Por isso, talvez, sentia-se tão especial quando ele se contentava em ser ele, apenas ele, perto dela — quando ele sentia que aquilo era suficiente.

Porque era. Mais do que o suficiente, inclusive, e toda preocupação sumia de seu ser.

— — —

Não sabia como ia lidar com a situação prestes a se desenvolver.

Não sabia se aguentaria a situação prestes a se desenvolver.

Mas sabia de uma coisa: estava disposta a ouvir.

Há quantos anos conhecia Flávia? Há quantos anos eram amigas, quantas memórias construíram juntas?

A caminho do local onde escolheram se encontrar, um milhão de pensamentos voavam por sua mente — pensamentos que envolviam perdão e o quanto valorizava aquela amizade, o quanto valia a pena continuar ao lado de Flávia, e pensamentos que apenas a confundiam.

Seria capaz de perdoá-la, realmente? Logo Sasa, que prometera nunca traí-la daquela forma, a quem ajudara por anos e anos, sendo a única pessoa que permaneceu ao seu lado quando as coisas ficaram feias e a ruiva conseguia apenas chorar, sentada ao lado da privada após vomitar lembrando dos gritos e das manipulações e das mentiras. Logo Sasa, que há muito tempo atrás era sua estrelinha, que há muito tempo atrás era não apenas sua melhor amiga, mas sua irmã. Sasa, que dissera uma vez que não sentia nenhum tipo de atração por Vitor e que os dois sempre seriam apenas bons amigos.

Não entendia direito como as coisas tinham acontecido, para falar bem a verdade. Não entendia em que universo Flávia olhara para os sentimentos de Vitor e realmente escolhera ficar com ele — não fazia sentido, não era algo que a garota faria, Elisa tinha certeza.

Bom, obviamente estava errada, já que os dois estavam namorando ou qualquer merda do tipo.

Mas estava disposta a ouvir — algo dentro de si lhe dizia que deveria, e, bom, quando vira Rafael pela primeira vez sua primeira reação fora surtar e gritar por alguns minutos, e estivera errada em fazê-lo, então talvez fosse melhor fazer as coisas numa ordem diferente dessa vez.

Se necessário, porém, sabia exatamente o que gritaria.

Quando chegou, viu que Sayuri já estava lá, sentada numa mesa qualquer da praça de alimentação do shopping, inquieta. Respirou fundo, sentindo uma tranquilidade desconhecida se alojar em seu peito, e naquele momento percebeu que, independente do que acontecesse, estaria satisfeita — afinal, de qualquer maneira, não era culpa sua.

A sensação era revigorante.

Sentou-se, imediatamente assustando a ruiva.

— Oi.

— Oi. Como você 'tá?

— Bem, Flávia, e você?

— Eu 'tô... Bem, também.

O silêncio era desconfortável e Elisa pensava nas várias formas de quebrá-lo quando a outra garota o fez:

— Eu... Eu queria conversar com você.

— Eu sei — recostou-se nas costas da cadeira e cruzou os braços, tentando mostrar-se aberta, mas não muito. — Pode falar.

Flávia soltou um suspiro pesado e as palavras caíram como uma tempestade, incontroláveis:

— Eu sinto muito, Elisa. Eu sinto muito por tudo. Eu sinto muito por mentir pra você e por ficar com o Vitor e por não te falar e por tudo. Meu Deus, eu sinto muito de verdade.

Giovanna piscou uma, duas, três vezes. Agora, um pesar apossava-se de seu coração.

— Flávia, você não precisa pedir desculpas por ficar com o Vitor — respondeu em voz baixa, tentando ignorar as lágrimas nos olhos da outra. — Ninguém escolhe por quem se apaixonar, sabe?

— Mas eu nem sei se eu estou apaixonada por ele!

O coração da garota parou por um segundo.

— Você... O quê?

— Eu não sei se eu realmente gosto dele desse jeito, Elisa, e isso só torna tudo pior — as lágrimas começaram a cair. — Eu só... Eu... — Flávia olhou para o teto, tentando controlar suas próprias emoções enquanto sua antiga melhor amiga a encarava em completo choque. — Eu tinha me esquecido de como era ser verdadeiramente amada por alguém, sabe? Sem poréns, sem por favores, sem quases. O Vitor, ele-ele gosta tanto de mim, de um jeito que eu nem sabia que podiam gostar. Depois... Depois do Rafael, eu passei muito tempo sem acreditar que eu merecia alguém. Eu passei muito tempo achando que talvez o amor que o Rafael me deu fosse o amor que eu merecia, o amor destinado pra mim, mas... Não é? Eu acho que não é, agora.

Quase que por instinto, Elisa viu-se segurando uma das mãos da garota, confortante.

— Claro que não é, Flávia.

Sayuri respirou fundo, a respiração falha com a teimosia em segurar o fôlego, tentando, com tudo que tinha dentro de si, manter-se calma.

— Ele acabou comigo, Elisa, e eu sei que ele 'tava doente e tudo mais, mas, depois dele... É como se eu fosse separada em duas partes, sabe? Antes de tudo e depois de tudo, e eu queria dizer que ambas as partes são felizes, mas elas não são. Eu perdi um pedaço de mim e eu não sei fazer sentido do que sobrou.

O silêncio era tão cortante quanto as palavras e as duas meninas encaravam-se, buscando desesperadamente uma na outra algo que já não sabiam mais onde procurar.

Flávia respirou fundo mais uma vez.

— O Vitor estava tão disposto a me amar de outro jeito, a cuidar de mim, a ignorar os buracos na minha alma, e eu precisava tanto disso — a ruiva desviou o olhar e sua voz tornou-se baixa, perto de um sussurro. — Mas eu sei que nada do que eu 'tô dizendo perdoa o fato de eu ter te machucado, porque eu sabia que me envolver com o Vitor ia acabar com você. Caralho, Lis, eu sempre soube o quanto você amava ele, provavelmente bem mais do que ele me ama agora, mas eu acho que-eu acho que eu queria tanto amar alguém que me amasse que eu esqueci o quanto os seus machucados me machucam também.

Sayuri apertou a mão que segurava a sua e Elisa retribuiu o gesto, aquele pesar ainda presente em seu peito — mas seu coração realmente se partiu no momento em que a menina a encarou, o rosto manchado pelas lágrimas, e disse, com a voz mais quebrada que já ouvira em toda sua vida:

— Eu só queria ser feliz de novo.





KKKKKKK DEMOROU ALGUNS MESES MAS EU ATUALIZEI IHU

serenata existencialista • [r.l.]Kde žijí příběhy. Začni objevovat