| prólogo |

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Caleb Hughes era feliz.

Ele tinha tudo que uma criança de onze anos poderia ter; pais amorosos, uma casa confortável, amigos e, é claro, muitos brinquedos.

A família Hughes, como toda família, tinha uma tradição. Um ritual, por assim dizer. Sempre que Caleb completava mais um ano de vida, os três – ele, o pai e a mãe – saíam para acampar. E Caleb adorava. Para ele, um tempo com seus progenitores era o melhor presente que ele poderia ganhar.

Quando Caleb completou doze anos, entretanto, as coisas perderem o rumo. A família saíra para acampar, mas, por um deslizar errôneo de mãos sobre o volante e um pé fortemente pressionado contra o acelerador, eles nunca chegaram ao seu destino. Caleb comemorou seu aniversário em um hospital, ao mesmo tempo que sentia-se despedaçar pela morte prematura dos pais.

A tradição fora quebrada, assim como uma parte irreparável do menino.

Indo parar em um orfanato, as coisas não melhoraram. Se Caleb pudesse descrever os terríveis momentos que passara naquele lugar, ele certamente faria uso da palavra "tormento". A sua vida era um pesadelo. Então, o garoto não poupava esforços para transformar a vida das cuidadoras em um pesadelo igualmente pavoroso.

E fora por conta de suas travessuras que ele conhecera Clare.

Caleb sempre fora fascinado pelos longos fios alaranjados da garota, e, desde que passara a notá-la, ele sabia que ela era digna de inveja. Sendo a criança preferida das responsáveis pelo lugar, ela era o alvo perfeito para mais uma de suas traquinagens. Portanto, quando a menina estava distraída demais para notar sua aproximação repentina, Caleb tirou a gosma doce que mastigava de dentro da boca e levou-a até os cabelos de Clare.

A cena, se me permitem dizer, fora impagável.

Clare, com todo o fervor de uma menina de dez anos, berrou e estapeou o garoto, que, por sua vez, gargalhava sem parar. No fim, ambos ficaram de castigo.

Então, surpreendentemente, eles se tornaram inseparáveis.

Eles corriam pelo casarão em que viviam, brincando de pega-pega e esconde-esconde. Andavam pelos arredores do lugar, escalando as árvores do grande pomar. Quando anoitecia, eles se esgueiravam pelos corredores e iam parar na mesma cama, contando histórias assustadoras e imaginado vidas onde eles não eram órfãos.

Caleb sentia que finalmente havia acordado, livrando-se do maldito pesadelo que o assombrava. Após despertar, tudo o que ele via eram os grandes olhos azuis de Clare.

Sua felicidade não fora duradoura, no entanto. Após longos meses, Clare fora adotada. O garoto ficou arrasado. Por um momento, Caleb ficou arrasado. Mas ele deixou seus sentimentos de lado, sentindo-se extremamente egoísta por não ficar feliz por sua amiga.

Ela iria ter uma casa, uma família. E ele, pelo menos, teria as memórias dos momentos que passara ao seu lado para o acalentar.

Quando a ruiva fora embora, Caleb se despediu com um sorriso no rosto. Um sorriso verdadeiro, apesar da tristeza que voltava a corroê-lo.

Quando o carro em que Clare havia embarcado sumiu de vista, o menino parou de acenar e, instantaneamente, de sorrir.

Caleb Hughes era feliz.

Era.

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