Capítulo 8 - É preciso chorar

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Um novo dia se iniciava em Seattle e eu finalmente tinha conseguido o dia todo de folga. Acordei disposta a empacotar as coisas para ir embora da casa do Jackson. Depois da nossa conversa sobre Deus tudo ficou ainda mais estranho. A gente mal se falava, mal se via e sempre que estávamos juntos em casa era um maior silêncio. Parece, na verdade, que tudo ficou pior do que estava antes. 

Eu não o procurei para perguntar o que estava acontecendo e ele tampouco quis estabelecer um diálogo sobre. Então ficamos por essa mesmo. 

— Se preparando para ir embora? — Jackson me assustou. Não sabia que ele já tinha chegado. Eu sorri meio sem graça. 

— Sim, consegui achar um apartamento. 

— Agora sim! Nada de hotel para a senhorita Nômade. — Ele falou entrando no quarto. — Onde vai ser seu castelo?

Eu estava com muita vergonha de contar que eu não iria pra tão longe assim. 

— No andar debaixo! — Avery gargalhou, sentando ao meu lado na cama. Eu ri também, colocando as mãos no rosto. — Não ache que eu estou te perseguindo, mas é que esse é um prédio estratégico. 

— Você seria a stalker mais atrapalhada que eu já vi na vida. 

Nós rimos e houve um momento de silêncio depois. Ele foi o primeiro a falar e eu me surpreendi com sua iniciativa. 

— Sabe, depois que eu e April perdemos o Samuel, ela teve uma crise profunda na fé dela. Ficou totalmente diferente de quem ela era e não ligava pra mais nada relacionado a Deus. Aqueles dias foram tão difíceis pra nós que eu acabei me questionando ainda mais se Ele não estava vendo o quão perdida ela tava. E é por isso que fico tão estranho quando falo sobre Ele. — Jackson falou suspirando. 

— Mas você não acha que ela saiu muito mais forte dessa situação?

— Sim, mas Ele não é o Todo Poderoso? Por quê que a gente precisou passar por tudo isso para, sei lá, ficar mais forte? 

— Eu posso me intrometer? — Perguntei com todo o respeito, ele acenou que sim. — Você e a April precisavam aprender algumas coisas para começar a viver novas fases das suas vidas. A dor vem antes da novidade e na maioria das vezes nós nem avistamos esse novo horizonte chegando, mas Deus, que é onisciente, já sabe o que está por vir e também sabe nos preparar para aproveitar aquilo. 

— Isso parece tão clichê… Eu não vi essa fase nova chegando na minha vida. 

— Mas chegou na vida da Kepner, não chegou? — Questionei e ele baixou a cabeça. — Cada um tem o seu tempo de sarar, prosseguir e se preparar para as coisas novas. 

— Você parece… — Jackson me olhou de um jeito estranho e depois balançou a cabeça em negação, como se fosse falar algo e desistisse. — Vamos arrumar essas coisas e te botar pra fora daqui logo! — Disse rindo e levantando-se logo em seguida. 

Esse jeito dele de decidir quando a conversa acaba me irritava. Ele sempre parava o assunto bruscamente, ou então com uma resposta evasiva. Eu geralmente relevava, mas não estava disposta dessa vez. 

— Eu pareço o quê? — Perguntei tentando não parecer grossa, mas claramente eu estava incomodada com aquilo. 

— Deixa pra lá, eu não quero te ofender, Camille… 

— O que você ia falar, diz. — Insisti mais um pouco. 

— Eu ia dizer que você parece uma daquelas pessoas manipuláveis, sabe? Que acredita em conto de fadas, historinha para boi dormir. Você é inocente para acreditar nesse negócio de propósito, de que tudo tem um sentido. Olha só, acontece que não tem! A vida é uma grande merda e a gente tá só vagando aqui para tentar dar o nosso melhor para as pessoas aqui e agora, só isso importa. Não existe ordem. É tudo um caos. — Ele despejou as palavras e logo em seguida fez uma pausa, respirou fundo e falou um pouco mais baixo. — Então é isso! Eu ia dizer que você parece uma criança acreditando em papai Noel. 

Eu precisei de um momento para assimilar tudo aquilo. Não acredito que Jackson estava me chamando de idiota, praticamente. Como se eu não tivesse senso crítico nenhum, como se eu não tivesse história! Confesso que fiquei profundamente magoada com aquilo. Mas entendi que ele estava passando por uma fase complicada na vida dele, então tentei focar em ajudar.

Fechei os olhos e respirei fundo, me levantando em seguida. Caminhei até o armário e peguei uma caixinha de fotos que estava guardada perto dos meus cosméticos. Voltei e sentei na cama, chamando-o para sentar do meu lado. 

—  Vem cá, Avery. — Falei com a voz um pouco falha das emoções. Ele caminhou tentando se desculpar pelas palavras. — Fica quieto. Me escuta. — Jackson assentiu, sentando ao meu lado. 

Destampei a caixinha e retirei as fotografias que estavam dentro. Eram polaroides que fiz durante a viagem missionária para a África. Peguei a primeira foto e sorri. 

— Tá vendo essa criança aqui? — Apontei para a foto. — Este é o Samir. Eu o conheci nos primeiros dias da viagem. Ele era um refugiado de guerra com um ferimento muito grave na sua perna, devido a explosão de uma mina. Seu pai e sua mãe morreram durante os ataques de grupos rivais e ele estava só. 

Entreguei a foto a ele que observou, enquanto eu procurava outra no montinho de polaroides. 

— E essa daqui é a Suzanne, ela viajou comigo após perder o filho e o marido em um acidente de trânsito. Ela estava destruída e a viagem foi sua última tentativa de se reconstruir depois daquilo. — Enxuguei uma lágrima que deixei cair. — Suzanne cuidou especialmente de Samir durante toda a estadia dele com a gente e então os dois se encontraram. Ela o amou como amava seu filho Johnathan e ele se apegou a ela como se fosse sua mãe. No fim das contas, ela conseguiu adotá-lo, mesmo depois de passar por inúmeros trâmites e burocracias para isso. 

Jackson me olhava, seu olhar de confusão se desfazia a cada palavra que eu dizia. Dei a foto de Suzanne para ele segurar e recolhi o último registro que queria mostrar. Era a fotografia de Samir e Suzanne no dia que estavam voltando para os Estados Unidos, depois de meses em uma luta judicial. Eles estavam radiante, parecia que nunca tinham sofrido na vida, parecia que eles nunca conheceram a dor, mas eles conheceram. 

— Se você acredita que isso é obra do acaso, coincidência ou apenas sorte, me desculpe, mas para mim o inocente da história é você. Eu só consigo enxergar Deus agindo apesar de toda tragédia, dor e sofrimento. O que eu vejo é um ser que sabe de tudo, juntando os pedaços de histórias quebradas e fazendo tudo novo uma outra vez, dando esperança e produzindo felicidade. 

Agora ele estava de cabeça baixa, rindo meio sem jeito. Eu então levantei e o puxei pelas mãos, o abraçando. Ficamos assim por um tempo, até que ele começou a chorar. Apertei ainda mais o abraço e passei a mão na cabeça dele, o acalmando. Sabia que tudo estava doendo ali dentro e não tinha mais palavras para falar, então eu só permaneci, esperando que ele conseguisse colocar um pouco daquilo pra fora. 

A nova chefe do TraumaOnde histórias criam vida. Descubra agora