Capítulo 14 - O homem que não confiava na ciência

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Matthew entrou todo equipado de máscara e roupa de proteção especial no hospital junto com outro paramédico. Os dois empurravam uma maca com um senhor de idade deitado nela. Eu, Teddy e Andrew corremos até eles que nos passaram o caso. 

— Senhor de 73 anos, sofreu um ataque cardíaco depois de ingerir muita medicação como forma de prevenir o Vírus. 

— O quê? — Perguntei sem saber se tinha entendido direito. 

— Pois é. Aparentemente algumas pessoas estão se automedicando com medo de contrair a doença. — Ele explicou, enquanto entrávamos na sala de trauma. 

— Meu peito, meu Deus eu vou morrer. — O senhor gritava na maca enquanto apertava forte o lado esquerdo de seu tórax.

— Deixa que eu assumo daqui. — Teddy falou se dirigindo a Matthew que assentiu e deixou a sala após realizarmos os primeiros procedimentos. — Eu preciso de um ecocardiograma de urgência. — Gritou para alguns técnicos que estavam ali. O homem gritava de dor. 

— Senhor, me diga seu nome. — Andrew perguntou. 

— Joseph Morris. 

— Ok, senhor Morris, preciso que tente se acalmar. Estamos cuidando do senhor. — Os apelos de DeLucca não adiantaram muito e Joseph voltou a gritar.

— Pressão arterial 21 por 10, ele está infartando nesse momento. — Falei para ela após verificar a máquina de monitoramento dos sinais vitais. 

— Dose de 25mg de captopril agora. — Teddy instruiu e rapidamente passaram a injeção para ela, que a aplicou. — Vamos atrelar com a clonidina, 10mg. — DeLucca assentiu e ministrou a dose no paciente. 

— 20, 19, 17 por 6… —  Fomos acompanhando a pressão se estabilizar enquanto os técnicos chegavam para avisar que a sala para o ecocardiograma estava pronta. — 12 por 8. Conseguimos. 

Teddy me olhou com os olhos marejados. Se estivéssemos em um momento normal aquele procedimento não teria sido tão estressante para a cardiologista, mas ao passo que todos os dias perdíamos mais pacientes do que estávamos acostumadas, cada pequeno atendimento era como uma bomba relógio que tínhamos que desmontar. 

Ela piscou os olhos para dissipar as lágrimas formadas ali e ordenou que partissem com Joseph para o ecocardiogram, os acompanhando enquanto eu e DeLucca nos posicionamos para a próxima emergência. 

[...]

— Camille, preciso ver aquele senhor que quase morreu por causa de automedicação, mas não estou a fim de me desgastar com esse encontro. Você pode ver isso pra mim? Eu te cubro aqui no trauma. 

Teddy fez uma carinha de cachorro que caiu do caminhão de mudanças e eu cedi. Subi para o andar dos internamentos e passei pelo procedimento de desinfecção, já que aquela era uma área de doenças corriqueiras e precisávamos deixá-la totalmente livre desse maldito Vírus. 

Josephine Wilson assumiu como residente chefe após a morte de Edwards e estava delegando atividades para outros residentes quando me viu chegar. Não tínhamos nos falado direito desde o ocorrido. Eu dei um sorriso resignado para ela, que logo dispensou seus comandados e veio ao meu encontro. 

— Cansou do trauma? — Ela perguntou. 

— Ultimamente ando cansada de tudo nesse hospital. E fora dele também. — Eu ri sem graça. — Mas agora eu tô cobrindo a Teddy. Pode me passar a ficha do senhor Joseph Morris?

Ela procurou nos arquivos digitais do tablet que carregava e em seguida me passou. 

— Vamos, vou te acompanhar. 

Não falamos muito enquanto caminhávamos pelo corredor de quartos. Nós duas éramos muito próximas de Stephanie e não sabíamos o que dizer uma a outra, embora entendêssemos o sentimento. 

— Vou apresentar a ficha dele. Pelos velhos tempos. — Ela disse e piscou, lembrando das vezes em que ela era escalada como minha interna. — Joseph Morris, 73 anos, sofreu um infarto do miocárdio após ingerir doses não receitadas de um remédio que supostamente previne o Vírus. Nada comprovado cientificamente, claro. 

— É claro que a ciência não vai dizer que faz bem! Todos eles nos querem mortos! — Falou o velhinho se agitando na maca. 

— Bom, o senhor quase adiantou o lado “deles”, não é? — Eu disse, soando um pouco mais amarga do que gostaria. Wilson sorriu. Caminhei até a beira da cama. — Eu sou a doutora O’live e esta aqui é a doutora Wilson. — Apontei para minha colega que acenou com a cabeça. — Como se sente agora, senhor Morris? 

— Me sinto um pouco cansado. 

— É normal que se sinta assim. — Fiz uma pequena pausa. — Nós também somos cientistas, sabia? — Ele não demonstrou muita emoção. — Temos algumas pesquisas desenvolvidas durante a graduação e após ela. Eu, inclusive, trabalhei no desenvolvimento de uma vacina para uma doença tropical. 

— Bom para você. 

— Sim, é muito bom pra mim, mas sabe pra quem também é bom, senhor Morris? Para a população que recebe a vacina. Para os doentes que se curam através das descobertas feitas através dessas pesquisas. 

Ele não olhava para mim e era notável que discordava do comprometimento dos cientistas para com a população. 

— Acha que se esse remédio fosse realmente eficaz, não teríamos pensado em ministrá-lo a nossa amiga médica que faleceu com o Vírus? Acha que esconderíamos a cura de uma das nossas melhores profissionais? 

Nesse momento senti meus olhos se encherem de lágrimas. Dessa vez o senhor prestava atenção ao que eu falava. Meu tom não era de raiva, mas de tristeza. 

— Sabe, senhor Morris, eu sei que existem muitas pessoas más nesse mundo, mas posso te garantir que também existem milhares de pessoas movidas pelo sentimento de ajudar o próximo e colaborar com o desenvolvimento de sua nação. Durante essa pandemia vi de perto a luta dos profissionais de saúde, se sacrificando pelo outro. Stephanie, minha amiga, foi infectada ao atender uma das primeiras pacientes com o Vírus aqui no hospital. Graças ao atendimento e a preocupação dela, a paciente foi tratada como deveria e sobreviveu. 

Fiz outra pausa para enxugar algumas lágrimas que caíam e vi que o senhor também estava emocionado. Wilson fungava seu choro atrás de mim. Nesse momento, Joseph colocou sua mão sobre a minha e me olhou com olhos tristes. 

— Meus pêsames. — Senti verdade em suas palavras e assenti.

— Esse pensamento de colocar a população contra a ciência durante uma crise dessas é desumano, tanto para os profissionais que se sacrificam, quanto para a sociedade que se vê confusa sem saber no que acreditar. 

— Eu acredito em você, doutora. Me sinto um tolo agora. — Ele lamentou, de cabeça baixa. — Agora vejo pela sua fala que vocês estão dando tudo de si. Tanto os médicos como os cientistas. Peço perdão por ter dado trabalho desnecessário. 

Eu sorri e senti as últimas lágrimas descerem pelo meu rosto. Balancei a cabeça positivamente e me afastei um pouco da cama. 

— Se preocupe agora em melhorar. Em breve poderá ir embora, senhor Morris. Estamos esperando o resultado de alguns exames mais elaborados e se estiver tudo bem o senhor poderá ir. 

Ele assentiu e se recostou acomodando-se de forma confortável na cama. Antes que pudéssemos sair do quarto ele chamou:

— Doutora O’live…

— Sim?

— Sinto muito pela sua perda. 

A nova chefe do TraumaWhere stories live. Discover now