1: Fobia Social

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É muito clichê começar uma narrativa com "acordei as sete da manhã"? Porque se for, que fique logo sabendo; eu sou uma pessoa tipicamente clichê e exageradamente dramática, já passei por todas a fases possíveis que alguém pode passar na vida. É sério, eu fui desde Evril Lavigne até Adele, passando por Rebelde e tendo uma perna jogada lá em Black Pink e Billie Eilish, agora escuto de tudo, dependendo do dia e do meu humor, a música perfeita vem do aleatório. Eu sou do tipo de pessoa que ainda baixa as músicas no celular, porque odeia praticamente tudo de moderno hoje em dia. Onde já se viu pagar pra ouvir música, as pessoas esqueceram o YouTube?

Eu sou tão normalmente psicopata que imagino coisas que não aconteceram e, provavelmente, seria um pouco difícil de acontecer, e é esse "pouco difícil" que me abre infinitas possibilidades de pensar que SIM, pode acontecer, só é muito difícil. Tipo quando eu estou no ônibus e penso que se eu deixar o celular um pouco mais acima da dobrinha da janela ele vai cair e ser estraçalhado por um caminhão do lado do ônibus, quando na pista em que eu estava isso seria matematicamente impossível.
Enfim, eu sou como um desenho em preto e branco esperando alguém para me colorir.

- Para de gravar, Hina!

Grito para minha irmã de quatorze anos que estava segurando uma câmera, me gravando lutando para levantar da cama enquanto o alarme soava alto, sem parar.
Hina pretende fazer um álbum com o passar do tempo, tipo Ed Sheeran em Photograph. O lógico seria começar por ela.

Recebo no celular uma mensagem de Sina, minha amiga desde o sétimo ano. Eu conto tudo pra ela, não temos segredos, não cabe em nossa relação.

- Krys, Noah e eu vamos ao cinema mais tarde, quer ir junto? Diz que sim, please!

Ou pelo menos quase tudo... Sina não sabe que eu sou desesperadamente apaixonado pelo namorado dela.
Noah é o tipo de cara que qualquer um se apaixonaria, não pelo porte físico, mas pelo o que ele é. Acho que não existe uma palavra certa para descrevê-lo, talvez eu tenha que inventar uma.

Não estou sendo verdadeiro quando Noah encosta em mim sem querer e eu finjo não me importar, não estou sendo claro quando fico com ciúmes e digo que minha irmã me irritou para não falar do amor platônico que sinto por Noah. Ele é uma mistura boa de tudo que eu gosto. Ao menos consigo disfarçar bem, ele nunca notou que eu coro e desvio o olhar a cada vez que ele me olha, nem que eu não consigo parecer normal a cada vez que estamos sozinhos, geralmente invento uma desculpa qualquer e fujo para evitar isso, não sei se me controlaria se estivéssemos sozinhos.
Quando estou sozinho sou vulnerável, e todos os meus segredos são revelados através do meu olhar, é só você reparar bem.

Eu poderia ficar um dia inteiro dizendo o porque eu o amo tanto, mas aí eu perceberia não ser o suficiente e passaria um ano inteiro falando.
Conheci Noah no sexto ano, no dia que eu ia contar para Sina que eu o amava, ela foi mais rápida e disse que tinha o encontrado com a mãe no parque e que lá havia dado seu primeiro beijo, com ele.
Não posso dizer a Sina que morro um pouco toda vez que os vejo juntos, seria o fim.

Acho que não vou poder, tenho que estudar física se não vou repetir, socorro!!!

Se eu fosse descrever Sina, diria que ela é a junção de todas as piadas mais engraçadas do mundo, é impossível não rir quando se está perto dela. Ela simplesmente sabe ser natural, não força situações, não finge ser outra pessoa, é transparente e intensa, não é uma heroína de novela, mas também não é uma vilã. Sina é apenas Sina.

Me apronto rápido para o colégio e respiro ao lembrar que tenho que entrar no meu personagem quando encontrar Sina e Noah juntos.

- Ok. Agora você é Krystian, melhor amigo de Sina e não apaixonado pelo namorado dela.

Pisco para o meu reflexo no espelho e saio, tendo uma leve sensação que meu outro eu ficou parado, olhando para mim com uma cara de "ei, quem você está querendo enganar?"

Desço, dou um beijo em minha mãe, pego uma maçã, aliso meu cachorro e dou dedo para a câmera de Hina antes de sair de casa, e escuto ela reclamar para a mamãe que grita "Não dê dedo para sua irmã, Krystian!". Eu sorrio, percebendo que o dia realmente tinha começado.

- Eu adoro essa família.

Dou a mão quando vejo o ônibus da escola passar, com certeza lotado de gente, ódio.
Entro no ônibus e por um minuto havia esquecido das pessoas.
Já contei que eu tenho um outro pequeno problema? É, talvez eu tenha um pouco de fobia social específica. Na maioria das vezes eu me deparo em situações sociais bobas, como a de agora, eu entro em estado de desespero total, minhas mãos ficam trêmulas, minha barriga corrói por dentro e eu sinto meu rosto ficar frio. É angustiante ter que se esconder das visitas lá de casa, teve uma vez que houve um almoço com alguns familiares e eu fiquei com tanto medo que me prendi no banheiro o almoço inteiro, inventei que não estava me sentindo bem apenas para não cumprimentar meus tios e meus primos que eu não conheço, então sim, isso é um pouco sério.

É como se eu estivesse frente a uma turma inteira tendo que apresentar um trabalho, mas tudo que eu tinha decorado some da minha cabeça e as pessoas ficam na espera de que eu diga alguma coisa, só que eu não vou dizer.

- Vocês viram como ela acena para o ônibus? Tão delicada quanto uma princesa.

As pessoas começam a rir.
Esse é Bailey, o imbecil da minha turma, ele é preconceituoso, machista e autoritário... e idiota... e escroto.
O interessante é que Bailey namora Sabina, a garota mais inteligente da minha turma, só ela mesmo para aguentar ele, com ela por perto ele maneira nas piadinhas sem graça, até por que só o olhar dela mata dezenas numa tacada só, o meu terror é quando ela não está por perto, faço hora extra no inferno sem direito à intervalo.

- Escuta, Krystian. Qual o tamanho da sua vagina?

Sinto minha boca secar e minha respiração ficar pesada, as pessoas riem como se isso fosse realmente engraçado, tudo que consigo fazer é me virar e me encostar em algum lugar para que eu não caia no chão do ônibus, mas logo sinto uma mão apertar minha bunda e risos vindo do fundo... graças a Deus uma garota desce do ônibus e então posso me sentar em seu lugar, já já eles esquecem de mim, é assim que acontece, quando o brinquedinho não funciona eles voltam ao habitual, que é falar mal das meninas com quem eles já transaram.
A verdade é que eu não sei nada sobre o Bailey, só que ele é descedente de uma família de filipinos e trabalha na oficina do pai depois do colégio, só. É o que todo mundo sabe.

Encosto minha cabeça no vidro da janela e me pergunto o porquê de eu ainda andar nesse ônibus. Talvez não queira entregar os pontos e confessar que sou um completo fracasso social.

Eis que em uma das paradas do ônibus vejo uma cena que me deixou realmente intrigado, era Sabina e outro garoto perto de um café, eles conversavam e sorriam, o sinal abriu e antes do ônibus partir, foi rápido, mas eu tenho certeza do que aconteceu, ele a beijou. Nesse mesmo instante olho para Bailey do outro lado do ônibus, fazendo coisas idiotas com seus amigos idiotas e nem se dando conta de que estava sendo traído... se bem que esse conceito "traição" não se aplica quando se trata de Bailey, Sabina deve ter se cansado desse jeito dele escroto de ser.

Eu sorrio. É triste, mas estou me sentindo vingado.

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