3: Salvação

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Depois de um dia de crise existencial e do ser, eu acordei de manhã com uma ressaca moral estarrecedora.
Claro, eu ainda amava Noah, mas não atendia as ligações e nem respondia as mensagens, minha vontade era de me socar de baixo das cobertas e permanecer lá até que o apocalipse acontecesse e levasse todo mundo de uma só vez. Não é depressão, é preguiça de levantar, sair e encarar o mundo, me encarar. Não vou pôr minha cara a tapa, vai doer... sabe o que é mais triste nisso tudo? É que eu continuo sofrendo, abortando dias e noites, tentando deletar minhas lembranças, sem suceeso algum.

- Que ótimo. Segunda, de novo.

Acordei as quatro da manhã, mas fiquei encarando o teto até as sete... até o alarme me chamar novamente.

Acorda Krystian, hora de encarar o mundo real.

Eu tive um pesadelo, sonhei que todos ficavam sabendo que eu gostava de Noah, inclusive Sina, que todos me julgavam, que Sina se decepcionava comigo e Noah fuigia de mim.
O mundo acabou pra mim, por favor, alguém me mate. Não é drama, é preguiça.

-- Sorria!

-- Ah, Hina!

Jogo o travesseiro na câmera dela.

Uma coisa boa me aconteceu hoje.
No ônibus, Bailey não estava me incomodando, passei pelas pessoas sem ser percebido e um assento vazio parecia estar me aguardando. De todas as formas, quis ser o mais natural possível, abri meu caderno e me concentrei na atividade de matemática.

-- Infecção intestinal. - eu disse

-- O quê? Como assim?

Tudo bem, eu poderia ter inventado algo melhor, mas foi a primeira coisa que me veio à cabeça no momento. Sina e Noah me olharam confusos, até eu estava confuso.

-- Aquela pipoca devia estar vencida, eu bem que estava sentindo um gosto estranho.

-- Você poderia ter me ligado ou atendido minhas ligações...

-- Eu sei, mas eu não quis incomodar. Aliás, infecção intestinal é uma coisa bem pessoal, eu me senti constrangido. É SÉRIO, FOI HORRÍVEL.

Acentuei bem para que eles entendessem, minha melhor atuação até agora.

-- Ok... você está estranho hoje, alguém por favor devolve meu melhor amigo!

O sinal toca.

-- A gente se encontra depois da aula, beijos.

Sina sai andando em direção a sua sala. E novamente, eu e Noah, sozinhos... droga.
Começo a andar, tentando agir normalmente... tudo bem, eu nunca consigo, mas continuo tentado, porque algo dentro de mim diz que se eu não tentar eu vou me sair pior do que eu tentando. Confuso né? Esse sou eu.

-- Krystian, eu preciso te contar uma coisa.

Noah corre até mim e anda no mesmo ritmo que o meu. Só não me ama no mesmo ritmo que eu o amo.

-- É, a gente tem que ir pra aula. - digo

-- Vai ser rápido. Cara, eu tô maluco com a Sina, essa mina é demais.

-- Como se eu já não soubesse disso, Sina é maravilhosa. - digo, encorajando o namoro dos dois.

Noah tem que perceber mais e mais que Sina é tudo pra ele, só assim pra EU perceber que não posso ser o tudo de Noah.

-- Você não tá entendendo, a...

-- Eu sou amigo dela desde os onze anos, eu entendo sim.

O interrompo e sorrio convencido.
Ao menos nisso eu estou à frente de Noah, conheço Sina melhor do que ninguém.

-- A gente transou ontem à noite, pela primeira vez.

Ou pelo menos achei que conhecia.

Alguém deu um soco no meu estômago. Não sei o que dizer a Noah. Eu simplesmente estou no chão, nunca pensei na hipótese de os dois já terem transado, chegado a esse nível, sabe?... talvez porque eu nunca tenha visto Noah como namorado de Sina, no fundo eu acreditava que um dia ele poderia ser meu.

-- Foi maravilhoso, tudo fluiu tão normalmente, cara...

Não escuto mais nada do que ele diz a partir daí, deixo-o em mudo, é a primeira vez que faço isso com Noah. Tenho que disfarçar agora, disfarçar que eu estou morrendo de ciúmes, fingindo que estou feliz, quando na verdade queria estar no lugar de Sina.
Ela poderia ser eu, Noah continuaria sendo Noah e tudo estaria perfeito, mas não está, nunca vai estar.
Noah foi meu mais complicado e doloroso exemplo de amor.

-- A gente conversa mais tarde. Provavelmente ela vai te contar como aconteceu, ela sempre te conta tudo.

Ele sorri. Essa boca, esses lábios, não seja tão cruel, Noah. Não quero que me ame assim, não quero.

Ele se vai pelo corredor. Eu observo.

Essa deve ser a hora que uma música toca no fundo, em que toda essa sinfonia da vida se junta num compasso perfeito de uma dança que só se dança sozinho, eu e eu, de novo e de novo, todas as vezes...

Viro-me para a entrada da sala e dou de cara com Sabina e Bailey discutindo discretamente. Eu rapidamente me escondo e ouço, sem querer, parte da discussão.

-- Eu cansei, Bailey, eu cansei.

-- Eu preciso de você, Sabi...

-- Eu não preciso de você, a sua estupidez estragou tudo.

-- Eu quero voltar, volta comigo...

-- Não dá, agora não da mais...

- O que eu preciso fazer pra voltar com você? É só dizer que eu faço... é roubar, é matar? Eu faço, merda!

Ouço Sabina suspirar e logo depois vem um breve silêncio, o medo de eu ser pego faz com que eu prenda minha respiração.

-- A coisa mais fácil você não conseguiu... você não muda, Bailey.

Nesse momento os alunos adentram na sala de aula, segundos depois eu entro também. Observo Bailey no fundo da sala, pensativo e quieto. Volto a pensar em mim mesmo e no meu confuso relacionamento de amizade com Noah. Preciso esquece-lo o mais rápido possível, já estou deixando evidente alguns rastros do que eu sinto. Eu só preciso saber como expulsa-lo.

Volto a observar Bailey, por não ter nada para fazer, olho também para Sabina, sem indícios de contemplação com o sofrimento do ex namorado, compreensivo. Novamente volto para Bailey, depois relaciono meu problema com o dele, num confuso ciclo que não faz o menor sentido, mas mesmo assim me surge uma ideia.

-- Bailey...

Digo baixinho. Eu não posso ver, mas um brilho maléfico esperançoso está exalando dos meus olhos. Sorrio.
Realmente encontrei a solução para que Noah não perceba meus sentimentos por ele? Talvez Bailey possa ser minha salvação. Se sim, olá Bailey salvação.

E foi assim, no meio da sala, olhando para paredes e pessoas com cara de bunda, que tive o que vou passar a chamar de a melhor ideia da minha vida.

...

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