Capítulo Onze

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Marcos, o Devedor


─ Falo agora com Marcos, o sujeito reconhecido no velório como o devedor. Primeiramente, por que diabos seu reconhecimento é esse?

Marcos estava parado, quieto. As mãos finas e brancas juntas às vezes passava por cima bigode e descia para a barba, mas era apenas isso e esverdeados olhos observadores.

─ Por que talvez eu devesse um dinheiro ao morto?

─ O que você acha de nos contar tudo sobre isso?

─ Porra! Desde o começo?

─ Sim, desde o começo.

Marcos pareceu lamentar por estar ali, mas era a lei quem ordenava, então fez o que lhe foi ordenado em uma narrativa única.

─ Eu... bom, quando foi? Isso deve ter uns 4 anos. Sim, acredito que por aí ou pouco menos. Eu estava com uma ideia boa para um negócio aqui na cidade, sabe. Mas me faltava dinheiro e pelo bom Jesus sou amigo de Samuel muito antes dele se tornar homem, se entende o que quero dizer.

"'Você acha que isso vai dar certo?', ele me perguntou e eu disse, lembro-me como se fosse ontem, 'Eu apostaria a minha vida que sim. É a única coisa que os outros não vão copiar nessa cidade horrível'. De fato não copiaram e deu bem certo. Aqui é assim, você cria uma coisa, da certo e no mês seguinte tem outros três. Tem de pensar muito para empreender nessa joça aqui.

"Bom, então ele me perguntou quantos mil eu precisaria e eu disse que algo em torno de cem mil, e o que é cem mil para um Rosário, não é mesmo? Ele me emprestou e eu fiquei com essa dívida. A garantia mesmo foi minha casa, no fim das contas. Tínhamos amizade, mas todos sabem que no fundo uma boa grana vale mais que uma antiga amizade.

"Quando o negócio começou a ir mal, eu passei pra ele a casa e todos os documentos. Incluindo os móveis, era tudo dele. Mas por fim ele disse que, para eu focar no negócio, não precisaria pagar aluguel. Isso me deixou bem calmo, porque pensa em um homem desesperado tendo seu negócio falindo e perdendo a casa.

"Depois de um tempo consegui reerguer o negócio todo, recuperei o dinheiro e ele me passou a casa para meu nome após seis meses de negócio dando certo. Mas ainda eu não o tinha pagado. Isso deve ter um mês e meio mais ou menos.

"As coisas desandaram e eu ajeitei. Ele me passou a casa de volta e eu juntei os cem mil. Mas, sabe, eu não achei justo pagar ele só cem mil depois desse tempo todo que ele me emprestou a grana e sequer cobrou juros e nem o aluguel quando lhe passei minha casa, que não vale nem noventa mil, se a gente for bem sincero.

"Por fim eu disse que estava sem o dinheiro, porque queria dar ele o dobro como surpresa. Mas o desgraçado acabou morrendo e eu não consegui nem mesmo dormir. Juntei tudo o que rendeu a loja e tomei a decisão, sabe. Estava decidido. Certo que ele não iria ver o dinheiro e para pessoas ruins a dívida estaria quitada. Alguns sentiriam até mesmo alívio.

"Mas não eu. Me bateu um peso enorme na consciência, eu precisava devolver o dinheiro a ele. Eu conversei com uns amigos, sabe, e até com minha mãe. Todos disseram a mesma coisa: devolva tudo à família. Mas não é certo isso. Ele tirou o dinheiro do bolso dele, os outros, e me desculpem pela sinceridade, gente, mas vocês não me deram nem um centavo. Pelo contrário, ele me disse várias vezes que vocês ficavam cobrando e forçando o cara a me cobrar. Quando lhe dei a casa, falaram para ele vender. Quando ele me alugou minha antiga casa, vocês falaram para cobrar. No fundo sou mesmo amigo de Samuel e era a ele quem eu devia. Me decidi e fiz. Fui no velório e joguei três vezes o que eu peguei com ele anos atrás pelo atraso, os aluguéis e tudo mais.

"Na cova cada um jogou uma coisa em cima de um discurso pessoal e jogou um item. Eu, por outro lado, joguei o trezentos mil reais. Sou um péssimo pagador, mas pago sim."

Nicolas observou aquela narrativa boquiaberto. Aquele cara era louco de enterrar trezentos mil com um corpo morto ou o quê?

─ Certo... ─ o detetive observou a tarde chegando junto da fome. ─ Está muito quente aqui e acredito que por hora é tudo. Podem ir. Ah, e me enviem o discurso de vocês por email e o que cada um jogou. Usem o mesmo endereço da mensagem que enviei a vocês como convite. Tenham uma ótima tarde.

Antes de sair, dona Antônia se virou para o detetive e falou bem baixinho:

─ Ache quem fez isso, pelo amor de Deus! Essa disgraça tem que pagar pelo que fez. Ah, e aquela Raquel... ela nunca amou meu filho e se beneficiaria demais de toda a riqueza. Eu acredito quase que fielmente que foi ela, mas não posso provar.

─ Vou fazer tudo o que for possível ─ Nicolas lhe assegurou.

A mãe agradeceu e saiu com seu corpo velhinho para fora do quarto 17.

Quando ficaram a sós novamente, Amanda estava muito irritada e molhada de suor.

─ Eles vão mentir mais ainda por trás de palavras escritas num email.

─ E é o que eu quero que façam. É sim o que eu mais quero que façam. Agora vamos ao cemitério.

O Assassinato de Samuel RosárioOnde histórias criam vida. Descubra agora