XIV - O toque

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Passaram-se alguns dias desde que decidi por reescrever o roteiro de nossa viagem. Vesper, obviamente, ainda não se dera por satisfeita, porém Aimée, que era a principal financiadora do projeto, não poderia estar mais animada. Eu havia feito uma viagem curta até Salvador, a capital da Bahia, e investido bastante em pesquisas literárias e históricas que pudessem me dar algum Norte em relação ao Santa Rosa e o destino cruel de sua tripulação. Em minhas andanças por bibliotecas e museus, acabei por deparar-me com algumas informações deveras interessantes.


A primeira novidade que eu trazia comigo, eram documentos da biblioteca nacional, que confirmavam a existência de Bartolomeu de Araújo, o capitão do Santa Rosa, também presente em meus sonhos/memórias com Carmen em seus tempos de viva. Ora, se de fato havia existido um capitão da nau com este nome, seria ele então a pista mais próxima e palpável até então, de que as imersões que vinham me acometendo em sonhos, poderiam colaborar para com minha pesquisa. Obtive em minhas andanças diversas comprovações de que mesmo desprovida de muitas memórias, minha amiga fantasma me orientava no caminho certo até seu naufrágio. Quando visitei um ourives na cidade, e posteriormente uma historiadora da Universidade Federal da Bahia que aceitou gentilmente receber-me como estudante de Columbia, ambos confirmaram a legitimidade das moedas de ouro. Obviamente, mostrei para ambos apenas uma moeda, e não todas que eu possuía. Não pretendia levantar suspeitas.


Ao final de toda pesquisa, eu começava pouco a pouco a direcionar as gravações de apresentação para Joey. O título estampado no topo do roteiro em andamento, trazia em letras garrafais o nome que eu dera para o documentário: Santa Rosa, memórias de um tesouro perdido. Um título simples, dinâmico e digno de um resumo enxuto do que eu pretendia apresentar em meu filme.


Entrementes, a conversa com Carmen sobre a permissão para estudar e gravar um documentário improvisado sobre sua história precisara ser adiado, por conta de sua total ausência. Já haviam alguns dias que ela não aparecia para mim, mais precisamente, desde que eu acordara naquela manhã atípica, a bordo do iate, após ter escrito um bilhete de outra pessoa em minha moleskine.


Foi apenas quando, após reunir diversas informações desconexas em um documento virtual escrito em meu laptop, que a mulher de 1726 decidiu dar-me o ar de sua graça. Eu havia mergulhado tão profundamente na pesquisa, que mal notei sua presença ao meu lado, enquanto eu digitava rapidamente, em uma pequena cabine privada dentro do iate.


-O que esta coisa faz, Á-Jota? - Sua voz macia e esperta sobressaltou-me, como sempre. Eu nunca poderia me acostumar com suas aparições repentinas sem tomar um susto.

-Carmen! Por todos os deuses! Eu já lhe disse para não aparecer desta forma! - Forjei aborrecimento, mas sabia que meus olhos brilhavam de felicidade em vê-la novamente. Demorei até mesmo para notar que ela se referia ao laptop, aberto na pequena mesinha dobrável que eu utilizava para apoia-lo.

-O que são essas coisas aqui? – Ela perguntou, já debruçando-se sobre mim e apertando diversas teclas de uma vez só. Olhei feio para ela, e tentei afastar sua mão com um tapinha delicado, mas desta vez, minha mão passou através da dela, diretamente. E ela riu.

-Como se de fato pudesses me tocar sem que eu queira, Á-Jota. Sagacidade não parece-me ser teu forte. – E riu mais ainda, claramente debochando de mim. Nenhuma novidade.

-Tenha cuidado com isso! É o meu trabalho! – Informei em tom ligeiramente ofendido. Instintivamente protegendo o laptop de seus dedinhos curiosos de fantasma.

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⏰ Last updated: Feb 22, 2021 ⏰

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