XI - Novos caminhos

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 A culpa consumia minha alma ansiosa na manhã daquele dia que começava. Os primeiros raios de sol despontavam no azul opaco do céu preguiçosamente, ainda em metamorfose de cores, no frescor do amanhecer. Sentei-me sobre a areia fria e permiti que as ondas acariciassem a pele dos meus pés. Vez por outra avançavam e molhavam também minha bermuda de praia, mas não tinha problema. Era agradável e refrescante. Eu sabia que não deveria ter cedido às carícias de Vesper, mas minha mente encontrava-se consumida pelo sonho, ou memória, não saberia ao certo. Pelo menos, não naquele ponto.


Após todos os acontecimentos inexplicáveis que me cercavam, chegava até mesmo a duvidar de minha sanidade. Não sabia mais diferenciar o que era real ou não. O que era sonho, memória, ou imaginação. Uma vez, ouvi falar que a linha entre o sono e a morte é tênue e perigosa de se atravessar. Um de meus autores favoritos fizera em um quadrinho uma analogia entre ambos, e retratava o mundo dos sonhos como um lugar para onde todos vamos quando adormecemos. Sendo assim, todos os sonhadores, teoricamente, poderiam encontrar-se. Justificaria sonhar com pessoas as quais nunca vimos na vida. Justificaria sonhar com amores vibrantes e acordarmos apaixonados por completos desconhecidos. Será que continuamos sonhando do outro lado, após a morte? Poderia eu ter verdadeiramente encontrado Carmen naquela noite?


Outra teoria que considerei, a mais absurda naquele ponto, era que poderia se tratar de uma memória de vidas passadas. Algo que realmente havia ocorrido, com outra pessoa em meu lugar, talvez, e que eu havia apenas visitado aquele momento. Estaria Carmen, a fantasma, me mostrando parte do que havia lhe levado até ali? Até a morte? Os questionamentos infindáveis assolavam meu espírito inquieto enquanto o sol crescia por trás das nuvens em toda sua glória. O mar estava calmo, cintilante e azul, e as ondas moviam-se serenamente em sua dança indômita e particular. Foi contemplando o horizonte que avistei ao longe a silhueta de uma embarcação a se aproximar, flutuando entre o azul-esverdeado das ondas e o céu cor-de-rosa, aquarelado de nuvens azuis e brancas.


Por alguns momentos, cheguei a pensar que estava novamente mergulhando naquele passado que não me pertencia - ou pertencia? Naquele ponto eu já não sabia mais - porém após alguns momentos de observação mais rigorosa, pude distinguir as formas de um navio moderno, com janelas espelhadas e artigos de luxo. Era um imenso iate, de aparência expansiva, que chegava cada vez mais perto da praia onde nossa pequena expedição se encontrava. Senti uma presença se aproximar por trás de mim, mas por alguma razão, senti-me em paz também. Vi pela visão periférica quando a presença sentou-se ao meu lado na areia. Eu sabia que não se tratava de nenhum de meus amigos, era ela. Era Carmen.


-Considero fascinantes as embarcações da atualidade. - Disse a mulher como se estivéssemos em pleno diálogo. Para ela, compreendi, não havia diferença entre dar bom dia ou boa noite para alguém. O tempo, em sua forma de existir, não passava. Eu sequer sabia se já era um hábito socialmente comum os cumprimentos com os quais eu havia habituado-me em meu tempo, aos quais haviam-me induzido a utilizar desde que nasci. Não me incomodava, honestamente. Fazia parecer que ela sempre estava ali, por perto. Que não havia necessidade desse tipo de formalidade entre nós. Isso me trazia sensação de paz, como se Carmen zelasse por mim.


-Até mesmo para mim, elas são fascinantes. Imponentes, vencem a fúria do mar, deslizam com voracidade sobre o oceano indômito. - Respondi sem tirar os olhos do barco, cada vez mais próximo.

-Parece contigo. Também eras assim. - Veio a resposta quase sussurrada da fantasma. Senti um calafrio inusitado na base do estômago, e acima do ventre. Foi imediata minha surpresa, não precisei pensar nem por um segundo a respeito do que acabara de ouvir.

Um galeão de sonhosWhere stories live. Discover now