VI - O espírito benfeitor

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E então ela sorriu, linda e abertamente, com raios de sol atravessando seu corpo translúcido, fazendo-a parte da própria luz. Uma fileira perfeita de dentes alinhados, e seus lábios volumosos esculpindo um sorriso sincero, divertido, que arrebatava minha alma para junto dela. Sorri de volta involuntariamente, já nem sentia a dor na nuca provocada pela moeda que ela me atirou. Sorrimos mutuamente em um tempo infinito, no qual nos conectamos, em formas diferentes, no mesmo espaço-tempo. Eu tinha certeza de que ela era real, e ali dentro do mar chegava a parecer quase palpável. Sem pensar direito, comecei a caminhar em direção ao mar. Em direção a ela. Eu sentia que, tal como uma sereia, ela me atraía em sua direção, e eu ia, mesmo ciente do perigo de aliar-me ao sobrenatural, que na ocasião eu desconhecia completamente.

Quando as ondas do mar inundaram meus pés, trazendo consigo a sensação gélida contrastante com o calor feroz do Nordeste brasileiro, pude ver os fios de cabelo cacheados dançarem com o vento, como se o clima do mundo dos vivos a afetasse. Como se realmente estivesse ali, parada em minha frente. Ainda sorríamos mutuamente, sem desviar os olhares.

-Olá. - Eu disse somente, e foi o que pude dizer. As ondas do oceano abafando minha voz com suas majestosas idas e vindas. Ela apenas inclinou a cabeça para o lado, daquele jeito que ela fazia, e esticou a mão segurando um pequeno saquinho de couro, amarrado com uma fita vermelha, ambos bastante consumidos pelo tempo. Encarei a situação sem saber o que fazer, e naquele momento confesso que senti um pouco de receio dela. Ainda assim, movi minha mão em direção ao que me entregava, e quando peguei o saco, que honestamente parecia os que eu via em Hollywood sendo usados por piratas para guardar pequenas quantias de ouro, ela voltou a sorrir, sem mostrar os dentes.

Me distraí olhando seu sorriso, e a covinha que formava-se em seu rosto, de um lado só. O esquerdo. Os cabelos volumosos emolduravam seu rosto bem desenhado, e havia um brilho travesso em seus olhos. Aproximei sem querer um pouco mais, e nossas mãos se tocaram. A sensação do toque era fria, porém tátil. Eu sentia as pontas de meus dedos quentes roçarem suavemente nos nós frios dos dedos dela, e sei que ela também sentiu meu toque, pois parou de sorrir, não abrupta, mas lentamente, e seu rosto se encheu de surpresa. Ela ergueu as sobrancelhas, e eu fechei os olhos, sentindo a pele de fantasma dela como se fosse real. Se eu sentia, então era real. Esse era um caminho perigoso de seguir, mas eu me dispus a arriscar.

-O que é isso? - Perguntei, finalmente recolhendo a mão com o saquinho, e rapidamente guardando-o no bolso de minha bermuda jeans.

-Isso é para ti. - Ela disse com simplicidade, dando de ombros. Por não aguentar a curiosidade, levei a mão ao bolso novamente, mas ela me impediu apontando severamente pra mim.

-Não! Nem pensar! Veja quando eu me for. - Seu tom, apesar de severo, tinha uma nota de divertimento. Ela sempre parecia capciosa e quase sempre parecia sarcástica. Por alguma razão, essa era uma das coisas que eu gostava nela. Sorri, e concordei com a cabeça. Ela me deu as costas e caminhou tranquilamente até o fundo do oceano, sem sofrer as influências da gravidade. Fiquei ali, sem ação, contemplando sua partida até o sol deixar uma impressão sua em minha retina, quando fechava os olhos. Só despertei de meu transe com a voz de Castor me chamando para almoçar. Meus amigos haviam improvisado uma fogueira e estavam assando alguns peixes que compraram dos pescadores.

Almoçamos, e enquanto comia meu peixe, Joey sentou-se ao meu lado na areia, já que eu estava um pouco distante do grupo, pensando sobre a mulher na praia. Iria aguardar alguns momentos antes de verificar o conteúdo do saquinho de couro. Já havia esperado bastante, podia esperar mais um pouco.

-Você tinha razão A.J. Eu conferi as filmagens daquela sala que tinha uma mesa que parecia cirúrgica agora pouco. Durante a noite aconteceram algumas coisas bizarras... - Josephine Nikolaeva quase sussurrava, havia temor e respeito em sua voz.

Um galeão de sonhosWhere stories live. Discover now