trinta e nove

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CAPÍTULO 39

A carta da faculdade de Geórgia chegou naquela manhã.

E eu entrei.

Quando abri o envelope, senti que estava sonhando. Tive que me beliscar algumas vezes para checar que não estava dormindo. A palavra "parabéns" parecia surreal para mim.

Mas não, eu não estava dormindo.

Eu iria para faculdade. Com uma bolsa de estudos. Para bem, bem longe dos meus pais.

A primeira coisa que senti foi um enorme alívio, como se um peso estivesse sendo retirado das minhas costas. Como se asas estivéssemos surgindo ao invés de cadeados. Soava besta, mas todo o sofrimento daqueles anos parecia se dissipar pelo ar, porque aquelas palavras guardavam um enorme significado.

Elas significavam finalmente a tão cobiçada liberdade.

Lágrimas de pura e cristalina alegria surgiam nos meus olhos. Eu não conseguia mais enxergar as melhores palavras do mundo conforme tudo ficou borrado, por isso pisquei várias vezes para poder vê-las mais uma vez. Respirei profundamente.

- Aí meu Deus... - murmurei com uma risada incrédula e depois olhei para o céu. - Puta merda.

Eu iria sair de casa.

Eu iria me libertar dos meus pais.

Eu iria poder deixar toda a dor, decepção, humilhação e desgraça para trás. Eu poderia finalmente viver sem medo das minhas escolhas. Poderia ser eu mesma sem ter alguém me julgando. Porque, finalmente, eu estaria muito distante dos dois.

Queria ficar no jardim observando a carta o dia inteiro, mas também precisava entrar e falar para os meus pais a melhor notícia do mundo: se dependesse de mim, eu nunca mais veria dos dois.

Nem na porra do Natal.

Corri para dentro. Ainda estava usando pijama, mas nem ligava. Minha mãe nunca mais poderia brigar comigo. Eu sairia de tudo aquilo.

Eles estavam na sala e, como sempre, meu pai lia o jornal na sua cadeira e minha mãe costurava algo inútil e muito feio. Sorri comigo mesmo porque não sentiria falta de nada daquilo. Nem deles.

- Bom dia, Lydia - proferiu minha mãe, olhando para mim e deixando o tricô de lado.

Meu pai apenas abaixou a cabeça para me cumprimentar, como se eu fosse uma estranha. E eu só consegui sorrir mais.

- Tenho algo para falar com vocês - avisei na hora.

Sem enrolações. Era o melhor jeito.

Eles me esperaram continuar e eu suspirei, levantando a carta.

- Eu ganhei uma bolsa de estudos para estudar engenharia na Faculdade de Geórgia - comecei e vi as expressões dos meus pais lentamente se tornarem incrédulas. - E eu vou. Não vou mais morar aqui depois das férias.

- E onde você vai morar? - indagou meu pai, tirando o óculos para me encarar.

- Num alojamento - sorri ainda mais.

Eu tinha pesquisado tudo para caso eu entrasse. Eles tinham um bom programa para alunos que não podiam pagar. Ok, minha família tinha dinheiro, mas a professora me ajudou a explicar a minha "situação".

Minha mãe parecia ter sido atingida por um caminhão, porque sua expressão era de alguém completamente aterrorizada.

- Você... - suas palavras pareciam fracas demais para ela. - Você vai nos deixar?

Só FingindoWhere stories live. Discover now