Clarice Lispector

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As pessoas acham que alcançar sucesso como artista transforma a vida num mar de rosas

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As pessoas acham que alcançar sucesso como artista transforma a vida num mar de rosas. Que é tudo é inspiração, sexo, glamour, dinheiro, prestígio. E, vou dizer, é bom ter dinheiro e prestígio. Mas tem um custo.

Um artista de verdade é honesto. É essa a primeira virtude: honestidade. É preciso dizer a verdade na arte. É preciso se expor.

Nós vendemos nossas fraquezas, medos, nossa vulnerabilidade. Penduramos nas paredes nossos segredos mais inquietantes, cantamos as notas de nossa essência, nós escrevemos a angústia de nossa existência. E fazemos tudo isso para o outro, o espectador, que, talvez, vai olhar para a sua verdade e dizer: "mas que merda".

O crítico vai dizer a mesma bobagem com palavras difíceis. O público pode não entender porcaria nenhuma. Mas lá você está, parado, completamente nu na frente de desconhecidos.

Chega o momento em que todo artista precisa escolher a quem quer agradar: o público ou o crítico. O crítico virá munido de conceitos e preconceitos, teorias e técnicas, armado com toda a história da arte e suas próprias exigências inalcançáveis. O público vai pensar como o quadro ficaria na sala e, se achar que combina com as cortinas, você tem um novo cliente.

No meu caso, prefiro agradar o público pois o crítico não me paga um centavo. Mas a verdade é que, quando estou pintando uma nova tela, não é nem o comum apreciador de arte nem o acadêmico especializado em quem eu penso. Não, quando começo uma nova obra, quero agradar os artistas amadores. Veja, não se trata de qualquer tipo de artista: penso naquele que nasce assim, nesta categoria, mas é impedido de seguir sua vocação por falta de recursos ou acesso, por ser obrigado a trabalhar com alguma outra coisa e se curvar às necessidades financeiras, mas a arte fala mais alto, ela berra, porque, de alguma forma, mora dentro dele. Os artistas que, escondidos em suas casas, aos fins de semana, tiram objetos de pedaços velhos de madeira que seriam jogados no lixo. Os que criam dobraduras de papel ou desenham belos rascunhos enquanto tratam de assuntos tediosos ao telefone. Aqueles que, sem pretensão, se sentam sob a sombra de uma árvore e compõem inocentes sonetos.

Ao meu ver, são estes os que podem compreender a verdadeira essência da arte, sem pensar em cortinas e sofás ou em técnicas de cores e pinceladas. Eles simplesmente apreciam o quadro como é, como se apresenta em suas imperfeições e se atentam aos sentimentos que a arte evoca. Estes artistas enclausurados dentro de si mesmos não veem a influência de Toulouse-Lautrec nem te colocam dentro de uma caixa etiquetada com Impressionista ou Art Nouveau, porque eles enxergam a obra, só se importam com ela e a absorvem e a vivem e a amam.

Era este o caso de V. Um artista amador intensamente apaixonado. Era arte ao recitar suas frases, ao mover o corpo em frente à tela, ao ler em voz alta. A voz segura reverberava pelo ateliê. Os gestos contavam histórias. Os olhos velavam segredos. V era um ator que não pôde atuar, então atuava a própria vida, se tornava os personagens que queria representar.

Vinte Minutos e V Onde as histórias ganham vida. Descobre agora