Oscar Wilde

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Era o terceiro dia consecutivo que amanhecera nublado

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Era o terceiro dia consecutivo que amanhecera nublado. Das vidraças do meu ateliê, o mar e o céu se fundiam, e eu já não podia ver o horizonte. A noite taciturna e sem estrelas desabrochava em tons acinzentados e monótonos de azul e roxo, nuvens escuras espalhando-se no céu feito um mau presságio. Eu já não via V há três dias.

Eu tenho que aprender a ser menos orgulhoso e cabeça dura. Podia simplesmente ligar pro desgraçado do Namjoon e pedir pra ele me mandar o menino de volta, mas na minha cabeça parecia errado se render assim com tanta facilidade. Nunca tinha acontecido antes, eu querer ver outra musa nessa velocidade, e o idiota do Namjoon não ia deixar passar batido.

Meus vinte minutos milagrosos terminaram, mas dessa vez não trouxeram milagre nenhum. Deixei os olhos se perderem naquela cor bonita e chata, que não era azul nem cinza, e ao meu redor o céu e o mar foram um, tediosamente planos pela turva neblina. Pensei nas peças que já tinha começado, buscando em algum lugar da mente tola pelos vestígios de inspiração que V havia deixado para trás. Foram suficientes para durar um bocado de tempo, e depois que ele saiu porta afora da minha humilde cabana, me deixando mudo, abandonado e desolado, eu me levantei dos lençóis, ainda nu, e pintei feito um maníaco. Passei quase vinte horas completas num surto insano, um transe digno do assombro genuíno de pavor, ou do entorpecer da mais pura morfina.

Busquei dentro de mim o encantamento e temor que se tinham espalhado pelo sangue, e não me senti um artista tão ruim e odioso quanto me sentia antes de conhecer V, mas me senti como a maioria dos outros artistas provavelmente se sente todos os dias, aqueles artistas medíocres que pintam coisas falsas: tinha algo dentro de mim, e eu sabia (em partes) o que era, mas não conseguia traduzir. Por isso digo que é preciso uma coisa viva. Eu podia usar só aquela memória meio grosseira e turva, já atrapalhada e desvanecida dentro da minha cabeça, desbotada feito o uniforme de todos os guardas florestais que pisam nesse mundo. Eu poderia, como um desses artistas que se inspiram em coisas que apenas existem, ignorar o fato de que aquelas vinte horas já haviam arrancado tudo o que V poderia arrancar de mim com um único encontro. Eu podia cheirar os lençóis à procura do perfume sádico do seu suor, fechar os olhos e buscar aquele mesmo êxtase de insanidade enquanto me toco tolamente e imagino V, sua pele dourada e os cabelos em mil tons da aurora.

Mas aí não passaria de um artista medíocre batendo uma punheta ridícula pra uma memória distorcida (e encantadora), mas que jamais ia se aproximar em nada do que realmente foi aquele êxtase transcendente e eterno nele mesmo, mas que já se fora. Se eu fizesse algo assim, me tornaria nada mais do que aquilo que eu tanto julgo: os artistas dos quais eu falo mal para os quatro ventos, desses que tem quadros pendurados lá na minha casa de verdade. Eu não podia deixar o meu lugar sagrado ser contaminado com alguma obra passageira que não seria fruto de verdadeira inspiração, mas da lembrança opaca de um momento inspirado.

Eu fui estúpido o suficiente, no outro dia, para não pegar o telefone do V. A revelação daquele êxtase havia me anestesiado como uma droga, e eu não tive cabeça pra pedir nada antes que ele se vestisse e se fosse, me abandonando sozinho, mudo e cheio de vida entre as paredes devastadas por cupins da minha cabana caindo aos pedaços. Eu não fazia ideia do seu nome e nem de como encontrá-lo, e se quisesse ver a fonte daquele impulso ardente e artístico de novo, teria que passar outra vez por Kim Namjoon para conseguir.

Vinte Minutos e V Where stories live. Discover now