Haruki Murakami

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Olá, amores! 

Estou de volta com o capítulo 11 de VMEV. Oficialmente passamos da metade da história, que terá 20 capítulos no total. Eu sou muito grata pelo carinho que recebo dos leitores desse romance e espero que vocês continuem acompanhando a história dos vgull. Muito obrigada por todo apoio e carinho <3

aviso: este capítulo toca no tema da morte. São reflexões, não contém nada explícito nem gráfico, mas achei sensato avisar.

Sem mais delongas,
boa leitura.

Nunca fui bom em me relacionar

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Nunca fui bom em me relacionar. Nunca mesmo, desde a infância. Fui uma criança muito observadora, pouco sociável. Na escola, falava só quando me mandavam e não gostava de ser incomodado. Durante o recreio, eu não costumava sair pra brincar. Ficava na sala de aula, colorindo. Lembro que uma menininha da escola gostava de mim, pra colocar em termos infantis. Melhor dizendo, ela me perseguia. Ficava o tempo todo no meu pé e me importunava um bocado. A menina era bem espoleta, não parava quieta, falava pelos cotovelos. Só que, na hora do recreio, quando eu estava sozinho na classe, ela aparecia. Todo santo dia. Sentava do meu lado sem dizer nada e ficava lá, me vendo colorir com giz de cera. Depois voltava a ser a criança melequenta de sempre, mas reservava pelo menos cinco minutos de silêncio pra me assistir, religiosamente. Às vezes, elogiava as árvores e montanhas, os peixinhos no mar, barquinhos com velas brancas, tudo pintado de forma caprichosa. Ela morreu naquele ano.

Acordei pensando nela hoje. Devo ter sonhado, mas não posso ter certeza, nunca lembro dos meus sonhos. Além do mais, desde que V sumiu eu mal durmo direito. Ando com uma insônia do capeta. Também não tenho tempo pra perder cochilando. Quero acabar logo essa droga. Esse maldito livro tomou a minha vida, como um dia a arte tomou minha vida, como um dia V tomou minha vida. Eu não passo de um obcecado.

Então não sei se sonhei ou não com a menina, mas acordei e me lembrei dela. De seu rosto bochechudo com o enorme sorriso infantil, um espaço entre os dois dentes da frente, maria-chiquinhas, a franja escura sobre a testa. Não lembro mais do seu nome. Isso me deixou incomodado pra cacete. Passei a manhã toda revirando caixas e álbuns empoeirados, porque queria saber o nome dela. Fucei em tudo, vou passar o resto da semana espirrando por causa da poeira. Mas não achei.

Me lembro vagamente da professora nos dando a notícia. Nós, crianças encarando a morte pela primeira vez, sem entender muito bem porque nossa colega não voltaria mais, mas sabendo que não era como se tivesse mudado de cidade. Fizemos um ritual na escola, acendemos velas e tudo. Só que algum tempo passou e era como se a menina nunca tivesse existido. Nós ignorávamos a mesa vazia, o casaquinho pendurado na parede, que um dia ela esqueceu e a mãe nunca veio buscar. Lembro que ficou lá, ninguém pegou, ninguém mexia. Eu olhava pra peça de roupa cor de rosa e sentia um abismo dentro de mim. Foi aí, aos seis anos, que eu percebi que a morte é ainda pior do que eu imaginava. Ela é o esquecimento.

O ser humano almeja a imortalidade. Cada um a persegue ao seu próprio modo, é verdade, mas no fundo todos desejamos o mesmo. Somos criaturinhas egoístas, focadas apenas no nosso umbigo. A gente não suporta pensar que, ao morrermos, o mundo seguirá idêntico. Nada vai mudar. Ninguém se lembrará de nós.

Vinte Minutos e V Where stories live. Discover now