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Fabiula: E então? — algo apreensiva, olhando para Paolla de um jeito tímido.
Paolla: Olha... — varrendo a tela do computador uma última vez — Não tenho muito conhecimento nessa área mas, sinceramente, eu achei ótimo.

Já passava das 23h, Valentina já dormia em seu quarto, na mesa de jantar ainda estavam os pratos sujos e as duas se encontravam no escritório da casa. Fabiula sentia que era hora de alguém finalmente ler o que ela vinha escrevendo há semanas. Tinha o corpo apoiado no tampo de vidro da mesa ao lado de Paolla, que estava sentada na cadeira relendo uma última estrofe.

"Somos vítimas de uma aventura unilateral.
Somos os amaldiçoados dos seres queridos.
Os seres não queridos.
Os feridos que valem por si mesmos.
Os incapacitados sem estacionamento reservado.
Onde o amor impera, não há desejo de poder;
E onde o poder predomina, há falta de amor.
Um é a sombra do outro.
Vez ou outra, de sombra em sombra...
Chegamos à escuridão."

Paolla: É profundo. — agora finalmente virando o rosto para olha-la — Melancólico, mas eu gosto.

Talvez fosse a luz âmbar do ambiente, o silêncio daquela casa ou o fato de estarem a sós, mas elas pareciam se comunicar em uma outra frequência ali.
O jantar havia sido maravilhoso. Riram grande parte do tempo, compatilharam algumas hitórias, brincaram uma coisa a outra... A intimidade parecia tão maior agora que, sem que fosse sentido ou percebido, estavam mais próximas e ambas gostavam disso.

Fabiula: Eu tinha receio disso, de parecer fúnebre demais. — riu delicada, ficando em pé e caminhando até um pequeno sofá no canto do escritório.
Paolla: Mas se é o que você estava sentindo quando escreveu, então tem seu valor. — fez o mesmo movimento e se sentou ao lado dela, parando alguns segundos para apreciar a vista da cidade que a janela no cômodo permitia.
Fabiula: Isso tem me deixado frustrada. — ela tinha dedos longos e finos, com alguns anéis distribuídos, e mexia neles em um claro sinal de inquietude — Eu tô sentindo que minha vida tá parada, sabe? Tem um vazio nela, um eco. Tá faltando algo. — sua voz parecia querer embargar — O Diogo já refez a vida dele, vai ser pai novamente, tá feliz com a nova família dele... E eu?

Nesse momento ela ergueu a cabeça para encontrar Paolla e seus olhares se cruzaram. Paolla a olhava de um jeito profundo, intenso. Já conhecia bem a história daquela família, daquela mulher, mas ali era diferente. Falavam agora de mulher para mulher. Não era só pelo casamento em si, era pela literariedade da situação. Fabiula era humana e sentia falta de tudo o que uma relação amorosa proporcionava. Ficar tanto tempo sem um beijo na boca, um carinho no cabelo, sem sexo ou tomar banho a dois já a afetava de modo a mexer não só com sua carência, mas com sua vaidade como mulher. Ninguém mais sentiria desejo por ela? Ninguém a pegaria pela mão e a arrastaria para o quarto com o tesão à flor da pele enquanto arrancava seu sutiã sem pudor?

Paolla: Você é linda. — seu tom de voz era baixo porém potente — Não tem porquê temer a solidão. — com jeito, levou sua mão até uma mecha do cabelo dela, colocando atrás da orelha e tocando suavamente sua pele clara— Vai encontrar alguém que queira estar com você.

O toque de Paolla na lateral de seu rosto fez com que Fabiula deglutisse em tensão. Sentia como os olhos dela fitavam cada detalhe de seu rosto e isso a inquietava. Não que Paolla fosse fazer qualquer coisa ali, mas era nítido a forma desejosa com que a encarava e começava a fazer questão de deixar isso claro.

Paolla: Olha só pra você... É linda, inteligente, divertida. — essa parte fez Fabiula sorrir, lembrando de haver recuperado seu bom humor nos últimos dias — Como pode se achar tão pouco? — ela quase se irritava por Fabiula se diminuir tanto sendo tão maravilhosa.
Fabiula: É fácil pra você falar. — voltando a ficar mais séria — Você anda na rua e deixa todo mundo babando.

Não era uma mentira. Até mesmo os funcionários de seu prédio secavam Paolla quando passava pela portaria.

Paolla: Você causa a mesma coisa por aí... Mas não percebe porque fica ocupada demais olhando pro chão. — disse isso de um jeito divertido, levando em conta que ela sempre andava de cabeça baixa, tímida, quase inexistente.

Fabiula retrucaria, mas sentiu que Paolla se aproximou alguns centímetros e calou.

Paolla: Você tá cheia de vida aí dentro, deixa isso sair! — lhe tocou o queixo, fazendo-a virar para si — Coloca um pouco de cor nessa vida. Deixa o mundo conhecer a mulher que tá presa e que você soterrou pra não ofuscar aquele marido fracassado.

Cada nova palavra de Paolla fazia Fabiula inflar em alegria. Finalmente alguém confiava no seu potencial e acreditava que ela tinha muito mais a oferecer. Era bom ter alguém acreditanto que ela era capaz de mais.

Fabiula: Obrigada. — suavemente tocou nas mãos dela, segurando com cautela — Você tem feito um bem enorme pra mim... Nem sei como agradecer.
Paolla: Eu quero fazer muito mais.

Por mais que Fabiula falasse de um jeito carinhoso, cada vez que Paolla dizia algo com seu tom sério, ela sentia um frio enorme na espinha. Aquela mulher a intimidava de um jeito estranho. Mais estranho porque ela parecia gostar. Entre elas existia um tensão que era desconhecida para ela mas que parecia querer mais daquilo. A presença de Paolla a fazia se sentir viva.

Paolla: Bom, vou deixar uma lição de casa pra você. — agora brincando um pouco, sabendo que forçar uma situação ainda não era o ideal — Comprar umas roupas mais coloridas. Pode ser um começo...

Ambas riram, tentando amenizar o clima. De fato, Fabiula tinha uma cartela muito limitada e sóbria de cores em seu guarda-roupa e isso, mesmo que inconscientemente, refletia em sua forma de ser e agir.

Fabiula: Anotado, teacher! — brincou no mesmo tom.
Paolla: Agora eu vou indo, tá? Amanhã eu tenho uma reunião de professores na escola... — fez uma careta fofa, arrancando uma risada gostosa de Fabiula.
Fabiula: Tudo bem, eu te levo até a porta.

As duas levantaram do sofá sorrindo e carregando consigo um misto de sensações que pelo menos uma delas não saberia bem quais eram.
Saíram do escritório em direção à sala e pelo caminho Paolla recolheu sua bolsa e a jaqueta jeans.

Paolla: A pizza tava ótima, obrigada! — finalmente parada em frente ao elevador, assim que apertou o botão.
Fabiula: Adorei a noite, muito obrigada pela visita. A Valentina foi dormir radiante... — sorriu de leve — Muito obrigada pela conversa também.
Paolla: Pensa com carinho no que eu te disse... — falando mais baixo por estarem o corredor — Tô aqui pro que precisar.

Ela piscou de um jeitinho fofo e logo a porta do elevador abriu, fazendo Fabiula trancar qualquer resposta que daria.

Paolla: Tchau! Boa noite.
Fabiula: Boa noite.

Paolla acenou com a mão antes da porta fechar à sua frente e Fabiula ficou ali parada no batente da porta de mogno por alguns segundos, apenas assimilando toda a energia gostosa e contagiante que aquela mulher trazia para sua vida sempre que estava por perto.

RECOMEÇAR ⏳Where stories live. Discover now