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Aparentemente o filme de gênero mais cult não havia agradado à grande massa, já que grande parte da sala escura estava vazia. Paolla e Fabiula haviam comprado lugares mais no alto da sala, um pouco mais à esquerda de quem subia os degraus.

Paolla: Chá gelado no cinema? — brincou, assim que sentaram.
Fabiula: Eu não tomo refrigerante. — sorriu comedida, a julgar pelo copo enorme que Paolla escolhera no combo com pipoca média.
Paolla: Eu também não tomo sempre... Mas no cinema? É quase um crime recusar.

Fabiula riu negando com a cabeça, vendo que até nisso eram extremamente diferentes.
De repente um silêncio constrangedor caiu sobre elas. A tela ainda estava branca, as luzes laterais ainda iluminavam de leve o ambiente, as poucas pessoas da sala estavam distribuídas por várias poltronas distantes e de repente ali, isoladas e sem distração, tudo parecia totalmente estranho. Não tinham intimidade, não se conheciam bem, não tinham muita afinidade. Que diabos estavam fazendo ali, na verdade? Para Fabiula, já começava a parecer uma péssima idéia.

Paolla: Psiu... — chamando de repente.
Fabiula: Hum?
Paolla: Você tá a vontade? — notava como Fabiula quase não a olhava e parecia inquieta.
Fabiula: Desculpa. — se sentindo mal por ter parecido desagradada com a companhia — Tô sim. É só que...

Paolla se virou um pouquinho mais em sua cadeira, ficando de frente para ela. Fabiula fez o mesmo. Iria abrir seu coração.

Fabiula: Como te disse, eu não tenho muitas amigas. Minha companhia é minha irmã, que tá comigo pra tudo mas tem a vida dela, né? Tenho me sentido sozinha esses dias, meio sem lugar. Eu aceitei o convite porque... — Paolla a olhava e a ouvia com atenção, entendendo bem o que ela dizia — Eu tava me sentindo abandonada, tava carente, queria alguém pra conversar, mas eu nem te conheço. — como se recobrasse a consciência, querendo pegar sua bolsa — Eu não sei o que tô fazendo aqui, me desculpa. — fazendo menção de se levantar de repente.
Paolla: Hey, espera. — segurando-a pelo braço — Calma! Tá tudo bem. — puxando o braço de Fabiula sutilmente, fazendo-a sentar novamente — Eu não quis ser incoveniente com você e nem forçar a barra... Só me ofereci pra ser uma companhia, já que você falou que a Valen tá viajando. — tirando o copo de chá que estava pousado no braço da poltrona entre elas e colocando no apoio do lado, só para chegar um pouco mais perto — Mas eu te entendo. Me desculpa, você, por qualquer coisa, se quiser ir embora eu te entendo.

O olhar de Paolla somando ao seu tom de voz tranquilo mostraram toda sua sinceridade e Fabiula agradecia mentalmente por ela entender aquela situação que não era fácil.

Paolla: Se você quiser eu te levo embora.
Fabiula: Imagina, eu pego um táxi... — já se sentindo mortificada por ter estragado o passeio.
Paolla: Que isso, Fabiula! Você não quer ser minha amiga mas pelo menos uma carona eu posso dar, né? — sorria de um jeito comedido.

Fabiula ficou calada. Não queria parecer rude ou esnobe, não era assim. Era apenas uma mulher pouco sociável que havia vivido sendo preparada para um casamento perfeito, para servir ao marido e à família e assim o havia feito. Havia sido casada com Diogo por 20 anos, sendo dedicada somente à ele desde então, buscando ser a esposa ideal e discreta. Em suma, havia se anulado por completo como mulher para ser a Sra Prado Monteiro. Agora voltava a ser somente Fabiula Nascimento e precisava reaprender a andar com as próprias pernas. Até então as amizades que tinha era com as esposas dos amigos do marido ou as mães das colegas da filha. Sem Diogo ao lado para comandar seus passsos era como se tivesse perdido seu norte. Talvez ela ainda estivesse muito ferida e cega para entender que seu divórsio era, na verdade, um grande livramento de um casamento fracassado que vivia apenas de aparência com um marido abusivo e nada romântico. Por isso não era tão fácil assim apenas acordar um dia de bem com a vida e à vontade para novas amizades. A vida ao lado de Diogo a havia transformado em alguém submisso, fechado e sem brilho. Mas nada disso fora preciso ser dito por ela, Paolla era capaz de enxergar cada estrago que aquele casamento falido havia causado nela.
Saíram da sala de cinema antes que começasse o primeiro trailer, ambas em silêncio. Fabiula, agarrada em sua bolsa de colo, se sentia algo constrangida por aquilo... Paolla poderia agora estar curtindo a noite com algum namorado, já que era tão bonita, e estava perdendo tempo com aquela saída fracassada. "Como eu sou estúpida!" pensava Fabiula no caminho ao estacionamento, de repende concordando quando Diogo lhe falara que ela jamais arrumaria outra pessoa pois era uma mulher desinteressante e frígida.

Fabiula: Paolla! — chamando de repente, assim que chegaram no carro da professora — Me desculpa mais uma vez, tá? Você deve estar me achando uma louca e...
Paolla: E quem não é louco nessa vida? — disse divertida enquanto buscava a chave do carro na bolsa — Olha só... — parando o que fazia para olha-la — Fica tranquila, tá? Você não tem que se forçar a fazer nada que não te deixe confortável. Eu me sentiria pior se você tivesse ficado lá dentro contra a sua vontade. Você foi sincera, foi honesta e isso é bom, né?
Fabiula: Não é nada com você. — seu olhar chegava a dar pena — O problema sou eu, eu sou toda errada, o Diogo tinha razão. Você deve ter deixado algum namorado por aí pra perder tempo comigo e eu aqui, quase chorando... — sorriu sem força, como quem segurava para que nenhuma lágrima a fizesse se sentir ainda mais patética.
Paolla: Eu não tenho namoraDO*. — falava em um tom sério, ainda que calmo, muito bem resolvida consigo mesma — Eu sou... — sendo interrompida pelo celular, vibrando em sua mão — Um minutinho...

Paolla se afastou um pouco para atender e Fabiula ficou parada no mesmo lugar, com o olhar meio estático. Afinal o que ela iria dizer? Ela era... Lésbica? De repente Fabiula passou a olha-la de forma estranha enquanto ela gesticulava no telefone, a poucos passos dali. Como assim uma mulher tão bonita e tão de bem com a vida se relacionava com mulheres? "Mas ela é tão feminina..." pensando baixo, deixando que sua mente atrofiada lhe bagunçasse por dentro.

Paolla: Desculpa, meu irmão atrapalhado querendo ajuda... — sorrindo, inocente quanto aos pensamentos dela — Vamos?

Fabiula se manteve calada, apenas assentiu com a cabeça e se dirigiu à porta do passeigeiro, entrando assim que Paolla destravou o carro.
No trajeto de volta mais silêncio. Fabiula estava desconfortável, se sentindo estranha, pouco a vontade.
O caminho fora feito sem trânsito e menos de meia hora depois Paolla já estacionava novamente na calçada do condomínio de Fabiula.

Fabiula: Obrigada e desculpa mais ma vez... — querendo sair dali o mais rápido possível.
Paolla: Fica bem, tá? — tocando no braço de Fabiula, querendo mostrar que continuaria à disposição, caso ela quisesse.

Fabiula apenas sorriu e saiu do carro, caminhando até a portaria sem olhar para trás. Se antes já se sentia incômoda com aquela possível amizade, imagina agora?
Uma mulher lésbica? Jamais. A essa altura, já dentro do elevador, começava a questionar se aquela professora seria uma boa influência para a filha.
Paolla parou em um farol vermelho, não muito longe dali, e abaixou o olhar vendo a tela do celular acender no banco do passageiro, sinalizando uma mensagem.
"Oi, Paolla. Te agradeço muito toda a atenção, sua simpatia, mas vamos deixar as coisas por aqui, ok? Boa noite."
Poalla ficou em silêncio, absorvendo aquelas palavras, e só despertou do transe ao ouvir o carro de trás buzinar, alertando o farol já estar aberto. Acelerou o carro mas continuou pensando no que lia. Já havia passado por tantas situações semelhantes, de preconceito, que lhe era óbvio demais. Seu semblante ficou sério e assim continuou até chegar em casa.
Fabiula olhava para a tela do celular, vendo a mensagem sinalizada como lida mas sem resposta. Bom, mas talvez fosse melhor assim mesmo.

RECOMEÇAR ⏳Where stories live. Discover now