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Era estranho acordar mais um dia sozinha naquela cama, naquele quarto. Aquele lugar que um dia chamara de lar, que abrigara sua tão sonhada família.
Sempre fora muito romântica, com o sonho da família tradicional e perfeita... Se ver agora diante de uma separação motivada por infidelidade era cruel e fazia Fabiula repensar, no auge dos seus 41 anos, se o amor realmente existira algum dia.
Ficaria ali, entre os lençóis claros, filosofando sobre ser ou não ser, mas pelo avançar do relógio, já estava atrasada para a reunião na escola de inglês de Valentina, que adentrava a adolescência e andava sensível com a situação atual dos pais.

Valentina: A teacher Pá é legal, você vai gostar. — tentando familiarizar a mãe sobre sua professora do intermediário, já que geralmente era seu pai, Diogo, quem comparecia às reuniões.

Por trás dos enormes óculos escuros, Fabiula parecia bem pouco empolgada com o novo afazer aos sábados. Como se ser trocada por uma garotinha de 25 já não fosse o suficiente.
Estacionou na única vaga restante frente à instituição e a filha logo saltou, se juntando às amigas ali próximo.
Fabiula ficou por alguns segundos observando a cena, vendo como a pequena Valen agora já era uma mocinha, cada dia mais independente. "Daqui a pouco não terei mais ninguém..." murmurou lamentosa, antes de sair do Volvo escuro e travar as portas.

Fabiula: Com licença... — pediu assim que deu dois toques na porta timidamente, abrindo a mesma.
Paolla: Bom dia! — dando seu sorriso largo, indicando com a mão uma das carteiras vazias na sala, já que só restavam poucos pais agora — Fique a vontade!

A professora seguiu explicando a planilha do semestre seguinte e um a um os demais pais/mães dos alunos se despediram, deixando apenas Fabiula, ainda calada, sozinha no ambiente.

Paolla: Você é a mãe do... — fazendo uma carinha de quem tentava adivinhar.
Fabiula: Da Valentina, desculpa. — riu da falta de atenção, obviamente sua presença era nova ali e inesperada.
Paolla: Ah, minha Valentine! — num sotaque norte-americano perfeito, indicando muita intimidade e carinho pela menina.
Fabiula: Você é a famosa "teacher Pá", Valentina adora você, não poupa elogios.
Paolla: Ela que é uma fofa! — sorriu, dando vida às suas covinhas — Mas ela tem estado meio dispersa nessas últimas aulas, tá tudo bem?
Fabiula: Problemas familiares... — respondeu breve, evitando tocar na ferida.
Paolla: Entendo. — não querendo ser invasiva, sentando na cadeira ao lado e tocando a mão da Fabiula de forma solidária — Mas olha, sua filha é uma excelente aluna, viu? Uma das melhoras da turma dela.

Paolla falava de um jeito carismático, empolgada, carinhosa... Tinha um jeito cativante que chegava a deixar Fabiula encabulada por tanta intimidade sem nem conhecê-la direito.

Fabiula: A gente, eu e o meu marid... — se corrigindo de imediato — Eu e o pai dela sempre incentivamos muito os estudos, ela conhecer coisas novas. — tentou esboçar sorriso na frase, ainda que sentisse o amargor daquilo. Ele não era mais seu marido.
Paolla: Isso é maravilhoso. — ainda sorrindo, disfarçando muito bem ter entendido aquilo — Ela é esforçada, tem uma ótima base.
Precisaria fazer uma avaliação antes, mas talvez ela pudesse avançar uma turma, eu sinto que minhas aulas são pouco desafiadoras pra ela... — já estava em pé, frente à sua mesa, vasculhando uma pasta de papéis em busca da ficha escolar da aluna.
Fabiula: Mas, trocar de turma? — perguntou receosa, se levantando e indo até próximo à Paolla — Ela gosta tanto de você, das coleguinhas... — falava como uma verdadeira mãe preocupada — Acho que pode não ser bom agora.

Paolla via claramente que havia algo a ser dito ali, mas jamais forçaria a barra, até porque não conhecia a mulher... Só percebia um pedido genuíno de não mudar as coisas por hora. Era legível no olhar de Fabiula.

Fabiula: Ela tá muito feliz nessa turma... — ponderou, agora menos desesperada, só não queria outra mudança na vida da filha.
Paolla: Não se preocupe. — tentando acalma-la — Foi só uma sugestão... Porque sua filha realmente é especial. — entregando o relatório para ela — Você e o Sr. Diogo devem ter muito orgulho dela. — seu tom era sereno, querendo passar tranquilidade para a moça que, mesmo calada, gritava seu descontrole emocional dos últimos dias.

"Sr. Diogo...", que estranho fora ouvir aquilo.
Era parte da vida de Valentina que sempre pertencera à ele, ali era uma estranha.
Estranho também era aquela mulher, que nunca havia visto na vida, conhecer seu marido, terem algum assunto em comum.
De repente sentiu como se todo esse tempo tivera ficado de fora de uma parte de sua família.

Paolla: Tá tudo bem? — notando o semblante dela, com o olhar perdido.
Fabiula: Tá sim. — recobrando a consciência — A gente tem sim, muito orgulho dela. — varrendo o papel com os olhos, vendo vários números de avaliações diversas mas sem colocar muita atenção em nada.
Paolla: Fabiula! — chamando-lhe a atenção — Posso te chamar assim né? — brincou, rindo um pouco, já que tinham quase a mesma idade— Aceita um café?

Fabiula não respondeu, apenas a olhou e se manteve assim, em silêncio.
Talvez fosse só isso que precisava, uma completa estranha pra desabafar... E se a achasse louca, pelo menos não a veria no dia seguinte.
Paolla sorriu, tomando o silêncio como um sim, e recolheu seus pertences, indo em direção à porta, seguida por Fabiula.

Fabiula era mais contida, mais séria, tinha uma postura formal, introspectiva.
O oposto de Paolla, que era muito falante e extrovertida... Entendia o que Valentina falava agora, ela era realmente cativante pelo jeito expansivo e acolhedor.
Talvez encontrasse ali uma amiga, quem sabe?

RECOMEÇAR ⏳Where stories live. Discover now