Don't Scream

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Era tarde. O céu nublado rugia ameaçando uma chuva que nunca vinha. O pequeno e redondo lago parecia agitado com os peixes que saltavam ao abocanharem a ração boiando na superfície. O endereço? Rua Blue Lane, Nº 1996. A casa ainda marrom e de estrutura coberta por madeira envernizada, poderia até se misturar como parte natural do local cercado por árvores, se não fosse pelo luxo de sua arquitetura. A fachada, contava com um deque espaçoso ocupando toda a área frontal, o mesmo podia ser dito da janela, que, feito uma tela de cinema, exibia-se quase que de uma ponta a outra. Deste modo, seria possível ver todo o interior se não fossem pelas cortinas cor de cimento fechadas, dando um fundo cinza para a tela de vidro.

Por trás destas cortinas, estava ele. Fez doze anos no mês passado, cabelo liso e com uma franja querendo descer pela testa. "Querendo", porque era sua segunda tentativa de deixa-la crescer, demorava mais do que o esperado. Com os pés descalços balançando sobre o encosto do sofá, deitado com o controle do videogame nas mãos aflitas que apertavam com rigidez os botões, se manteve entretido entre xingamentos e comemorações. Seu nome é Charles Mcambridge, um pré-adolescente residente de Ashville, Ohio.


- Vai, vai, vai! Sai da minha frente, ganado de merda! -Resmungou para a tela, atiçado apertando os botões de forma repetitiva afim de dar mais ênfase ao seu comando para o personagem, um homem de jaqueta e luvas sem dedos do qual portava uma pistola. De cabelos loiros escuros e franja, era "Leon Kennedy", famoso personagem da saga de Survival Horror, "Resident Evil", daí de onde ele tentava tirar seu visual. Encontrava-se numa vila caipiria rodeado de aldeões que o avançavam com machados, pás e armas pontiagudas. Um povo do campo contaminado por algum tipo de vírus ou parasita gritando em espanhol coisas como "Un forastero!", corriam na sua direção com olhos vermelhos demoníacos e vestes tradicionalmente camponesas, porém, surradas e manchadas de terra. - Sai, vadia! -Berrou acertando sua mira, que com o botão "X" do controle, deferiu um tiro na cabeça de uma senhora do vilarejo que lhe avançou com um garfo de feno. - Isso! Liz, eu estou cercado! Cadê você?!! -Clamou pela irmã, sem resposta. - Ai, saco! -Se assustou recolhendo-se no sofá, pois Kennedy - Seu herói na tela - havia sido acertado com um golpe de machado, vindo de um inimigo que surgiu de surpresa por de trás de seus ombros. O sangue computadorizado espalhou-se pela tela no que o personagem recuou em dor com a barra de vida piscando em alerta, mas Charlie, não estava para desistir. - Ah, é assim? -Raivoso, apontou a pistola mais uma vez tomando uma mira incerta, acabando por efetuar vários disparos de raiva contra o mesmo, estes, descontrolados assim como apontava a vibração constante do controle. A maioria dos tiros acertou o peito do oponente e mesmo sendo alvejado, demorou para o inimigo digital sucumbir. Ao menos cinco disparos foram necessários para faze-lo cair morto. - Aham! É assim que eu faço, caralho! Liz, responde!!

- Estou ocupada, moleque!!! -Respondeu a voz feminina que ecoou do andar de cima.

- Tanto faz, vai perder a melhor parte! -Ajeitou os dedos sobre os botões, continuando a estratégia simples de tiro ao alvo contra os infectados.

- Melhor parte? Você ainda tá no começo, palerma.

- Cala a boca! -Apertou os botões com tamanha experiência, recarregando o revólver ao se aprontar para mais tiros quando de repente, naquele cenário nebuloso de uma vila num campo morto, o sino de uma igreja tocou paralisando a todos os aldeões infectados que então, se voltaram em direção ao som das badaladas em estado de transe.

- "É hora de rezar" -Afirmou um dos caipiras em estado quase hipnótico, parado feito um morto-vivo e de olhos fixos no sino, e assim faziam todos os outros a sua volta. Suas mãos se abriram deixando as foices, facas e machados caírem no chão de terra. Era o fim de um obstáculo para Charlie, que pôs a mão no peito de alívio por tudo ter "acabado" ao ver os inimigos se recolhendo e o jogo lhe dando um tempo para respirar. O término do desafio veio como um milagre, sua barra de vida estava crítica, não sabia por quanto mais tempo seria capaz de sobreviver a aquele cenário.

Scream - Survival 3Where stories live. Discover now