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          Naquela manhã gelada de Julho, no inverno do Rio de Janeiro, Alice Vieira se levantou da cama quente, buscando forças para dar início ao dia. Era quatro da manhã quando caminhou lentamente até a cozinha e encontrou seu pai ali, servindo o café da manhã. Coisa que nunca havia feito antes para a progênita.

— Pai?! — questionou surpresa, enquanto esfregava os olhos, ainda tentando abri-los. Ela jurava para si mesma que ele só iria acordar mais tarde, como de costume.

— Bom dia, Alice. Pensei que, como eu vou te levar até Saquarema, e são duas horas de viagem, acordei mais cedo para tomarmos o café juntos. Daqui do Rio até lá tem chão.

Chocada com essa atitude, a moça sorriu desconfiada e aceitou.

— Vou só tomar um banho rápido e já volto pra comermos. — informou e ele apenas concordou com a cabeça, sem ao menos direcionar seus olhos para a filha. Sempre frio.

No trajeto até o banheiro de seu quarto, Alice se pegou reflexiva. O pai nunca foi tão "carinhoso" assim com ela, de fazer café da manhã e a mimar. Na verdade, a família nunca foi de demonstrar afeto um com o outro. Abraços, beijos, apertos de mão, carinhos... Seu pai e sua mãe sempre foram rígidos com a garota, desde a infância. Falavam que isso a ajudaria a ter disciplina. Ser madura. E como resposta, a filha nunca gostou disso, então sempre deixou para viver sua vida de maneira escondida, para que não descobrissem e descontassem na pobre coitada. Agora, com 22 anos nas costas, ainda se sente presa na casa dos pais, por não poder agir como realmente gostaria. Queria poder ser diferente. Queria poder crescer por ela mesma, ser independente e dona da própria vida. Pela moça, já estaria morando sozinha há tempos, mas seus pais sempre davam um jeito de a manter presa nesta casa, embaixo de seus olhares, onde seria vigiada constantemente. Alice era um pássaro preso em uma gaiola, ansiando em poder bater as asas e voar livremente para longe dali.

Quando decidiu fazer faculdade de fotografia, há quatro anos trás, quase foi hostilizada pela família toda, por acharem que ela não teria futuro e viveria em uma eterna "vagabundagem", como seu próprio pai disse na época... E aqui está ela agora, recém formada, contratada para fotografar a seleção masculina de vôlei durante o período olímpico. Alice achou ótimo jogar isso na cara da família. Ela iria para Tóquio, em um dos maiores eventos esportivos, e eles não. Estaria longe de seus olhares e poderia saborear a real liberdade que tanto se esforçou para ter.

Não cresceu em um ambiente bom, doce e familiar, isso é fato. Seu pai, Luiz Vieira, e sua mãe, Cecília Vieira, sempre viveram em pé de guerra e descontavam o estresse disso na criação da filha única. A deixavam de castigo sem razão, faziam ela estudar até altas horas da madrugada, e nunca permitiram que amizades a tirassem muito tempo livre, e como consequência disso, Alice não tem muitos amigos, apenas conhecidos. Eles a inscreviam em muitas aulas, cursinhos, e atividades extracurriculares para que ficasse focada, ocupada e sobrecarregada, ao ponto de não estar presente em casa para "estressar mais seus pais". Mas, quando chegou ao ensino médio, passou a buscar sua real essência, começando a faltar nos compromissos da tarde para viver a vida. E foram nesses momentos de euforia, rebeldia e epifania que se descobriu uma pessoa de alma livre, que precisava voar. Mas que no fim do dia voltava para sua gaiola, embaixo das asas dos pais.

Sacudiu a cabeça acordando dos devaneios matinais, já saindo do banho e colocando uma roupa reforçada, devido ao frio gostoso que fazia. Passou quase nada de maquiagem e verificou, pela última vez, as malas. Em uma, levava as coisas para usar nesses poucos dias que ficaria no CT em Saquarema, e também roupas para usar no Japão, que estava no verão agora, e etc. E na outra mala, apenas seus materiais para fotografia, notebook, e outros aparelhos. Se esforçando, carregou tudo para a sala e foi tomar o café da manhã com o pai.

— Fico satisfeito que seu trabalho está dando certo, por enquanto. — ele murmura ríspido depois de um tempo, enquanto levava o último pedaço da comida até a boca.

— Obrigada, pai. — forçou um sorriso. Na verdade, ela gostaria de mandá-lo ir tomar naquele lugar, por nunca ter a apoiado. Ou algo como: Sr. Luiz, eu te odeio! Pare de querer controlar minha vida.

Alice não gostava do jeito que sua mente praticava a autossabotagem com ela. Apenas aquele momento, aquele simples momento com seu pai lhe deu um gatilho que fez sua cabeça revirar memórias antigas e castiga-la com isso. Ela ainda não conseguia lidar com a falta de uma figura paterna (e consequentemente materna) e mais velha na infância, e se recusava a acreditar que não tinha superado isso. Preferia ignorar e acreditar que as coisas estavam indo tudo bem.


O trajeto do Rio de Janeiro até Saquarema foi de silêncio sufocante, Alice não pôde nem colocar uma música para amenizar aquela energia pesada que seu pai emanava no ambiente. No CT, se apressou em se despedir e pediu para que ele mandasse um beijo para sua mãe (mesmo sabendo que ele não falaria para ela). Com a ajuda de alguns membros da equipe do Time Brasil, suas malas foram levadas para o alojamento, em seu quarto temporário que ficava no mesmo corredor que os dos jogadores, para que a fotógrafa pudesse captar, literalmente, todos os momentos do time, até mesmo os de espontaneidade, para postagens na internet e divulgação das Olimpíadas. Ou, até mesmo guardar lembranças para o futuro esportivo do Brasil, incentivando-o, ou atraindo público.

O CT estava aquecido, o que a fez retirar o casaco e puxar a câmera fotográfica da mochila. Pendurou-a no pescoço junto com o crachá de identificação e se encaminhou rumo à um grande espaço, onde ficavam algumas quadras e arquibancadas. Como era o primeiro dia, aconteceria uma rápida recapitulação e apresentação dos funcionários que estariam ali em prol do time.

Enquanto um a um dos funcionários era apresentado pelo treinador, Alice, nada boba, tentou se esconder sentando na arquibancada. Queria apenas acompanhar aquele momento para saber onde se encaixaria, e se poderia ser ela mesma naquele ambiente até então desconhecido.

— Renan! Tem uma integrante nova se escondendo aqui! — o fisioterapeuta Matheus falou alto e em tom de brincadeira, numa tentativa gentil de a incluir no que estava acontecendo.

— Não, não! — cobriu o rosto sorrindo de nervosismo. Naquele momento, todos a encaravam com um ar divertido e olhares curiosos, principalmente os jogadores do time. Lucarelli, Lucas e Douglas se divertiam trocando comentários.

— Eu jamais deixaria ela passar batido. — Renan sorriu — Pessoal, essa é a Alice, ela será nossa fotógrafa nesse período olímpico, então fiquem espertos pra não saírem feios nas fotos. O Brasil e o mundo vão ver. — brincou.

— O Bruno é o único que vai sair bonito em todas as fotos, se for assim. — Wallace soltou e o time riu — Modelo de instagram. — riu do colega dando uma afagada no cabelo de Bruno.

— Fale por você, eu me garanto. — Douglas passou desfilando na frente do amigo e fez pose para que a garota o fotografasse. Entrando na brincadeira, ela registrou aquele momento com a câmera — Milhões, gata. — deu uma volta e se retirou.

— Bem vinda à equipe. — Lucarelli caminhou até a pequena fotógrafa sentada — Relaxa que aqui ninguém morde! Com certeza você vai amar essa experiência doida. — sorriu e apontou para os ombros tensos da recém contratada.

— Obrigada, eu meio que demoro pra me sentir confortável, mas com essa energia boa de vocês eu me acostumo rapidinho. — como resposta, a mulher exibiu um largo sorriso sincero. Ela faria de tudo para que seu trabalho desse certo, ela precisava ser independente.

E voar.


O restante do dia correu perfeitamente bem, Alice havia fotografado momentos incríveis do treino, fotos que até a deixaram com vontade de aprender a jogar vôlei, bom, se ela não tivesse faltado nas aulas de tarde antigamente, talvez teria aprendido algo sobre. Já em seu pequeno quarto do dormitório, montou o notebook e alguns aparelhos para descarregar as fotos no HD. Enquanto fazia seu trabalho, ouviu batidas na porta, despertando a curiosidade da morena. De primeira, achou estranho, já que não tinha intimidade com ninguém ali. Receosa, andou na ponta dos pés até a porta alta e a abriu devagar, dando de cara com quem ela menos esperava estar ali.

— Alice, né? — Bruno Mossa de Rezende, o camisa 1 da Seleção e Capitão do time, perguntou enquanto segurava algo embrulhado em suas grandes mãos, ostentando um sorriso leve que encantaria qualquer pessoa.

Cruel Summer » {Bruno Rezende}Onde histórias criam vida. Descubra agora