Le vrai temps.

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Virei-me na cama resmungando tentando tirar as mãos femininas delicadas de cima de mim. Não dormia bem há muitos meses e ali eu me sentia confortável, assim não desejava sair da cama macia tão cedo. Mas a mulher tentando me acordar a todo custo era insistente, sacudindo-me. Minha visão borrada viu Paige segurando meus ombros, seu joelho direito estava sobre o colchão e ela tinha um sorrisinho sacana saindo de seus lábios. Ela ainda estava de pijamas, o que significava ser muito cedo ainda.

— O senhor Thomas está lá embaixo e quer falar com você — o modo como falou "senhor" foi em um tom debochado, com certeza a essa altura ela já estava imaginando diversas teorias em sua mente.

— Que horas são? — resmunguei sentando-me na cama.

— Sete horas da manhã.

Revirei meus olhos e me levantei cambaleando de sono. Peguei o robe pendurado no cabideiro de madeira ao lado da cômoda e o vesti, cobrindo o meu pijama bege emprestado da minha amiga. No banheiro, escovei meus dentes e lavei o rosto antes de descer. Thomas iria aguardar, afinal quem chega tão cedo na casa de outra pessoa sem avisar? Embora se tratando dele, nunca tinha uma hora correta para nada.

Desci a escada segurando o corrimão e o vi sentado em uma das banquetas do balcão. Ele estava de cabeça baixa, cogitei pensar que até tirava um cochilo.

— Você não dorme? — indaguei sorrindo e sentei na banqueta ao lado dele.

— É muito raro, ainda tenho pesadelos sobre o túnel.

— Que túnel?

Ele me olhou de relance.

— Vim ver se você realmente é do futuro — mudou de assunto totalmente.

Lembrei-me de ter falado com ele na noite anterior sobre isso e tinha razão, era hora de mostrar a verdade.

Levantei do banco.

— Certo, vou pegar.

Peguei a caixa de ferro no meu quarto e logo desci novamente com ela em mãos. Ele não deveria acreditar, afinal nas fotos havia muitos objetos que ali naquele ano não existiam ainda.

Despejei as fotos sobre o balcão, espalhando elas para ele observar melhor. Peguei uma onde eu estava sentada na grama com Matt ao meu lado, devíamos ter vinte anos quando a foto foi tirada. Ele segurava um celular em mãos.

— Isso é um celular, só foi inventado mais ou menos em mil novecentos e setenta e três. Agora, de onde venho, ele é a ferramenta mais utilizada pelas pessoas, nós fazemos ligações, tiramos fotos, entramos em nossas redes sociais.

Thomas ergueu a sobrancelha e me olhou.

— Rede social? — indagou pegando uma outra foto. — Onde é isso?

Ele estava segurando uma foto onde eu estava em frente à roda gigante de Londres, que já foi considerada a maior do mundo, com cento e trinta e cinco metros de altura.

— London Eye, ela foi inaugurada entre trinta e um de Dezembro de mil novecentos e noventa e nove e primeiro de Janeiro de dois mil. Essa foto eu tirei em dois mil e dezoito em uma excursão à Londres.

— Isso é estranho, não desacredito de você, mas é difícil assimilar.

Eu balancei a cabeça, realmente era difícil, mas se ele realmente acreditasse, já era um começo.

— Qual o motivo de ter vindo até nós novamente? Você já sabe tudo o que vai acontecer.

Ele se levantou como se alguma luz tivesse surgido em sua cabeça.

— Você já sabia de tudo — sussurrou. — Os Peaky Blinders vão fazer história?

— Sim. Inclusive o Black Country Living Museum retrata a história de vocês na noite em que eles chamam de "Noite dos Peaky Blinders". Mas as pessoas não os veem como heróis, mas sim pessoas que foram capazes de tudo para aumentar o império. Alguns homens até se inspiram no estilo de roupa ou corte de cabelo, mas não querem ser iguais no estilo de pensar.

— Há fotos nossas lá? — indagou ele levando as mãos na cabeça.

— Algumas, como por exemplo, o dia em que você se casou com Grace, a pintura de Polly que estava rasgada, coisas assim.

— Você já sabia da morte dela?

Abaixei a cabeça.

— Infelizmente não, Thomas. Eu nunca tinha escutado falar de vocês quando vim pela primeira vez para cá, por isso não temia a sua gangue. Só depois que fui ao futuro novamente que pesquisei um pouco com meu amigo e ele me mandou voltar, para impedir que você passe por certas situações.

— Que situações?

— Não deixar você morrer da forma em que morreu e nem te deixar fazer escolhas que vão afetar a todos.

Ele balançou a cabeça assentindo.

— Então acho que só temos uma escolha — disse Thomas. — Bem-vinda novamente à companhia Shelby.

— Você acredita em mim?

— As fotos não mentem, Gale. Além disso, há muitas coisas nas fotografias que eu não faço ideia do que seja.

[...]

O dia estava lindo, mas iria ficar melhor ainda quando eu adentrar o escritório novo. Paige no começo quase caiu para trás da cama quando descobriu que eu iria voltar a trabalhar para os Peaky Blinders, mas ela sabia que aquele era o meu destino ali.

Passei uma semana dando a Thomas as coordenadas de eventos futuros. O que antes era o clube do bordel agora estava cheio de papéis nas mesas e garrafas vazias de uísque que sempre bebíamos enquanto estávamos trabalhando. Eu estava começando a gostar desse tipo de bebida.

No intervalo de um desses dias, fomos à alfaiataria chinesa onde ele pegava seus ternos de graça e eu encomendei um para mim. Isso mesmo, se eu fosse fazer isso, faria de uma maneira diferente.

Terminei de ajeitar a boina em minha cabeça e girei mostrando à minha amiga como eu havia ficado com o traje. Ela assentiu sorrindo e veio me abraçar.

Já na rua, encontrei-me com Arthur me aguardando do lado de fora e logo depois dele me elogiar sobre a forma como eu estava vestida, começamos a andar em direção ao novo escritório. Ele disse que ninguém lá estava imaginando que eu voltaria a trabalhar com eles, então seria uma surpresa.

Arthur abriu a porta para mim quando chegamos e me deu espaço para entrar antes dele. O lugar parecia enorme. Abrimos a outra porta e quando o mais velho veio para o meu lado, ambos tiramos as boinas. Foi engraçado ver o queixo de Ada bater no chão e voltar, assim como Lizzie sentada em uma mesa mais distante.

Thomas deixou a mesa onde estava sentado.

— Gale Brown está de volta e vai continuar trabalhando como antes.

— A estranha sumiu três anos e voltou sem dar motivos e você está colocando ela de novo para trabalhar com a gente? — Lizzie cruzou os braços. — Da última vez que você colocou uma estranha para trabalhar na sua companhia, lembra o que aconteceu?

— Ela não é uma agente do governo, Lizzie, fique tranquila — Arthur disse.

— E como você tem tanta certeza?

— Eu confio nela.

Ela riu.

— Arthur, nem você confia em si próprio, quem dirá confiar em desconhecidos.

— Você está rindo dele? — indaguei a encarando.

— Nada de brigas — Polly disse se levantando.

— Certo, acho que vai ser um ótimo recomeço — Ada sorriu com deboche.

Coração Negro | Thomas ShelbyOnde as histórias ganham vida. Descobre agora