Capítulo Trinta e Cinco

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Devin não está em seus melhores dias, raios se formam no céu, minúsculas faíscas de fogo caem e o ar está pesado. Os guardas não estão em seus postos, como imaginamos, e não há demônios circulando pela área. Observamos o local por um tempo, para ter total certeza de que não há ninguém nos vendo.

— Tudo limpo senhora. — Um dos soldados diz para Psyche, dando sinal para que saíamos. Andamos lentamente até os portões do palácio, que surpreendentemente estão abertos, assim como as portas que dão acesso ao interior, tudo está muito fácil.

— Acho melhor termos cuidado, está fácil demais. — Digo desconfiada. A fileira de soldados nos seguem, prontos para atacar qualquer um que ousar nos enfrentar, porém se frustam ao ver que não existe um só demônio, ou um só vampiro no interior do castelo.

— Onde eles estão? — Psyche pergunta, confusa.

— Provavelmente em suas casas, somente mais um dia comum em Devin, confiem em mim. — Mykal diz abrindo uma passagem na parede. — Preparem seus soldados, pode não ser tão fácil exterminar a rainha, mesmo que sonolenta. — O fim do túnel da visão ao quarto de Núria, que está jogada na cama, imóvel. Nos aproximamos e há um líquido negro espesso cobrindo os lençóis, sangue, sangue de vampiros, a boca da rainha está coberta por ele, assim como suas unhas.

— Agora entendo o motivo de não terem grande exército, e população, ela se alimenta deles.

— Somente dos que não farão falta, general. — Ela se move de repente nos causando espanto. — Vejo que minha querida filha resolveu dar as caras, voltou para quê? Tomar meu reino? — Ri altamente. — Acha mesmo que é capaz de me vencer? Acha que é capaz de nos vencer? — É nesse momento que vários servos reais aparecem, demônios e vampiros, todos ali para proteger sua majestade.

— Acharam mesmo que seria tão fácil assim? Meu querido Yaza avisou-me que poderiam tentar fazer isto. Como serão fáceis de derrotar. Sem nenhuma ajuda, sozinhos, adorarei beber seu sangue, amarei mais ainda tomar conta de sua terra, sempre ouvi maravilhas de Elphia. — As dezenas de servos nos rodeiam, ameaçando atacar a qualquer minuto. Nosso pequeno exército se prontifica a reagir a qualquer movimento, até que o grito de Mykal irrompe no ar.

— Ataquem! — Todos nossos soldados avançam lançando suas armas contra os demais presentes no quarto, surpreendentemente Núria continua sentada, e ri da situação. 

— Continuem, talvez consigam algo. — Um dos nossos marcha em direção a ela lançando uma espada em seu peito, a mesma a pega e atinge o soldado na barriga com um golpe certeiro fazendo com que suas vísceras se espalhem pelo chão. — Próximo. — Ela chama. Todos param por um instante e observam a cena, exceto por Mykal que corre até a mãe cravando os dentes afiados na carne da rainha, que grita desferindo um soco no rosto da filha. Os caos toma conta do recinto e a cada minuto que se passa mais servos aparecem, de todos os lugares, são muitos, um número extremamente maior que o nosso. Nossos soldados em sua grande maioria já foram dizimados, os poucos que nos restam estão feridos, assim como nós. Núria joga Mykal para um dos cantos do quarto com uma uma força incrível, posso afirmar que alguns ossos foram quebrados. Estamos encurralados no centro do local, todos avançam em nossa direção com o mesmo objetivo, não deixar nenhum rastro sequer de nossa existência.

— Segurem! — Reconheço ao longe a voz, olho para cima e lá está Alexander. O vi poucas vezes mas o suficiente para que ficasse gravado em minha memória. Ele estende uma corda para que possamos escapar, Mykal parece ter quebrado uma das pernas e talvez algumas costelas pois anda e respira com extrema dificuldade. Psyche luta com um dos braços pois o outro possui um corte profundo que jorra sangue. Tento chamar a atenção de ambas para que vejam Alexander e o no segundo seguinte estamos todas penduradas a corda, junto aos cinco soldados que restam.

— Obrigado. — Digo assim que chegamos a parte superior do buraco aberto no teto.

— Não me agradeça ainda, vocês têm que sair daqui o mais rápido possível, mais demônios estão chegando.

— Nunca! É o meu reino, eu preciso reavê-lo.

— Está disposta a morrer em vão? Mykal, é impossível tomar esse reino de volta no momento, e você sabe disso, não vale a pena morrer por isso.

— Mas nós precisamos.

— Olhe para você, mal consegue se manter de pé, saia daqui! — Olho para Mykal e vejo seus olhos distantes, a tristeza e a frustração tomam conta de seu ser.

— Ele está certo, não podemos continuar aqui. — Psyche diz e a princesa me fita procurando minha aprovação para desistência, concordo com a cabeça e ela se dá por vencida.

— Tudo bem. — Diz tentando se levantar e falhando.

— Posso ir com vocês? Núria nunca gostou de minha pessoa, e agora ela tem um motivo bom o suficiente para arrancar meus olhos.

— Por ter salvado nossa vida acho que não precisaria nem perguntar. — Digo segurando um dos ombros de Mykal para ajudá-la a levantar.

— Andem, eles vão chegar aqui em cima logo. — Em um estralo de dedos os soldados restantes nos teletransportam de volta a Elphia.
O reino está quieto e há árvores pegando fogo, uma parte está inundada e a terra se rachou em outros lugares, as casas estão destelhadas, o único que aparentemente está intacto é o palácio.

— O que aconteceu aqui? — Há sangue correndo pelo chão, a terra o absorve mas a mancha escura é visível, uma marca foi desenhada na terra, algo que nunca vi, mas aparentemente Psyche sim.

— Demônios, foi uma emboscada, e você sabia disso. — Ela diz olhando para Mykal. — A ideia de ir a Devin foi sua, você sabia que eles aproveitariam e atacariam nosso reino, tudo fazia parte do seu plano.

— O que? Você só pode estar de brincadeira, acha mesmo que eu estaria nesse estado se tudo isso tivesse sido ideia minha? Eu mal posso me mexer.

— Não foi uma emboscada Psyche. — Digo colocando a mão em seu peito para que ela não vá para cima de Mykal.

— Outra vez você a defendendo, preciso lhe lembrar o que ela fez? Já se esqueceu?  Ela não é uma de nós Khione, isso é culpa dela. — Aponta para o reino parcialmente destruído.

— Ela não sabia disso, pedi a Kastian pra que alguém espionasse Mykal, e ela não fez nenhum contato sequer com o seu reino desde que chegou aqui. — Digo essas palavras e Mykal me fita desapontada mas compreensiva. O que mais ela esperava? Total confiança?

Andamos pelo reino até chegar ao castelo. Os corpos de dois soldados estão estirados na entrada, seu sangue escorre pela pequena escada. Passamos pela porta e a cena piora ainda mais, há uma pilha de corpos amontoada no canto do corredor, me preocupo imediatamente com Estella. Corro pelos corredores e subo as escadas o mais rápido que consigo praticamente arrombando a porta do quarto quando chego. Na cama onde ela estava existe uma lona preta cobrindo algo, peço para que não seja seu corpo. Levanto lentamente a lona, revelando um rosto, o dela. Sua face está coberta de cortes, não muito profundos, seu pescoço possui um rasgo que vai de uma extremidade a outra, ela está completamente mutilada. Ouço um choro incessante vindo do fundo da sala, no escuro Lyssa chora agarrada aos seus joelhos, como uma criança assustada.

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