Capítulo Trinta e Seis

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— Ei, está tudo bem. O que houve?

— Eles vieram, eu tentei impedir. — O choro a atrapalha falar, os soluços cortam as palavras e ela treme. — Estendo minha mão até seu ombro e a enlaço em um abraço na tentativa de acalma-la. — Eles vieram muito rápido, eram muitos. — O choro não cessa e ela continua falado mesmo que pausadamente. — Ela está bem? Consegui mantê-la viva ao menos? — Lyssa pergunta olhando para mim. Me corta o coração ter que contar a dura realidade a ela, sei que não teve tempo de conhecer Estella mas provavelmente sua consciência dirá que a morte dela foi por sua culpa.

— Cortaram sua garganta. — Digo em um tom baixo, quase inaudível.

— Graças a Elphia, ela está bem. — Diz diminuindo o choro.

— Como? — Não entendo como pode achar que Estella está bem.

— Antes de invadirem esta sala lancei um feitiço sobre ela e cobri seu corpo para que achassem que já estava morta.

— Pensei que só demônios podiam usar as magias de outros reinos. — Falo aliviada por saber que ela não está morta.

— Híbrida, sou uma híbrida. — Agora as lágrimas já secam em suas bochechas rosadas, seus olhos estão inchados e a boca foi mordida fortemente. A analiso para ver se existe mais algum ferimento. Vejo que não, então desvio o olhar para a cama onde minha irmã se encontra, mas logo em seguida sinto um toque em uma de minhas pernas e volto o rosto para princesa élfica.

— Ah, me desculpe, parece ser profundo, pode piorar se não for tratado, pensei que…

— Consegue curá-lo? — Pergunto em um sorriso. Admito que não havia percebido este corte até o momento. Devido a toda adrenalina não senti dor alguma, mas agora, depois de me sentar por alguns minutos sinto uma leve pontada começando.

— Definitivamente. — Diz rasgando parte de minha calça para poder ter acesso a ferida. — Agradeça por me ter, consigo ver seus ossos facilmente, sangraria até morte se não estancasse isso. — Ela forma uma pequena luz roxa entre os dedos e comprime contra minha pele. — Isso pode queimar um pouco. — Avisa.

— Sem problemas. — Digo e me arrependo imediatamente pois dói mais do que imaginava. Ela ri do meu rosto enrugado em forma de desconforto.

— Por mais que esteja apreciando você se esforçando para não demonstrar o quanto está doendo, vou ajudá-la com isso. 

— Agradeceria imensamente. — Ela continua rindo enquanto diz algumas palavras que imediatamente diminuem a dor até que a reduzam a nada.

— Melhor? 

— Muito.

— Você é igualzinha a sua mãe. — Ouço. Olho para os lados a fim de ver quem diz isso, já que tenho plena certeza de que não seja Lyssa. Miro os olhos para frente e Estella está sentada na maca, seu rosto já não está mais com cortes, Lyssa deve ter retirado o feitiço. Como ela pode ter levantado assim, subitamente? Isso não importa.

— Estella! — Exclamo levantando depressa para abraça-la.

— Me desculpe pequena, sinto em desaponta-la, mas não sou ela.

— Lilith? — Indago me afastando um pouco. 

— Não tenha medo, nunca lhe faria mal algum.

— Como pode tomar conta do corpo dela? — Pergunto. Lyssa segura meus ombros para que eu não me aproxime muito. Porém como Lilith poderia me fazer mal? Ela é minha mãe.

— Forças que somente a rainha demoníaca tem, mesmo que não exerça essa função a algum tempo.

— Khione saia de perto dela, é perigosa e imprevisível.

— Veja quem está aqui. — O rosto de Estella controlado por Lilith se contorce formando uma cara de desprezo e nojo. 

— Saia de perto dela Khione.

— Como ousa tentar afastar minha própria filha de mim? As atrocidades que tive que ver Estella sofrendo já não foram o bastante? Basta, chegou a hora de você pagar por tudo que já causou a minha família. — Ela começa a se transformar em algo que não consigo denominar, uma forma negra com uma esfera azul brilhante em seu centro. — Se eu fosse você correria. — Lilith fixa o olhar em Psyche e enrola um dos pés do demônio arrastando-a para perto dela.

— Pare com isso! — Exclamo. Tento afasta-la, mas em vão.

— Não se meta Khione, se você soubesse quem ela realmente é me ajudaria a extermina-la. — Diz levando as duas mãos ao pescoço de Psyche a enforcando, queimando sua pele com o fogo azul em suas mãos. — Ela sabe do que estou falando. — Aponta para Lyssa que fica confusa com a afirmação. A forma negra começa a se desfazer e o corpo de Estella retorna a vista, seus olhos se abrem e ela puxa o fôlego com tanta agressividade que talvez queime seus pulmões. 

— O que? — Pergunta ao ver suas mãos agarradas ao pescoço da antiga general que agora está pálida pelo quase desmaio. Ela solta Psyche por um instante e olha para Lyssa, quando seus olhos se cruzam ambas dão um passo a frente. — Você se lembra? — Indaga a princesa élfica.

— Agora me recordo, tudo está claro. — As duas dirigem os olhos até Psyche que ainda está deitada no chão.

— Como? — Fala com o rosto contorcido. — Não podem se lembrar. Eu tenho certeza, não existe como. — Não compreendo o que está acontecendo, mas acredito ser lago sério pois Lyssa prende Psyche ao chão com algemas luminosas. 

— Foi você! Tudo isso é sua culpa. — A princesa cospe as palavras. — A invasão, estava tudo planejado não estava? Desde muito antes disso. A aproximação no reino élfico tudo isso não passou de um plano milimetricamente planejado.

— Vocês são tão tolos. — Ela solta uma risada alta. — Foram peças essenciais para tudo isso, para minha vitória sobretudo. Sim Lys, tudo não passou de um belo fingimento, talvez alguns dias de prazer aqui e ali com você e sua irmã mas nada além disso. Uma falha minha ter deixado qualquer brecha para que você escapasse daquele lugar, deveria ficar a eternidade lá, assim não atrapalharia meus planos. Confesso, não fui tão atenta em relação a Estella pois achava que a essa altura já estaria morta com tantas drogas e venenos injetados em seu corpo desde que ela se entende como demônio. Falhas que custaram alguns soldados meus, nada que eu não posso substituir. Ah e claro, como posso esquecer da bela ruiva aqui presente? Você foi apenas um imprevisto, nem ao certo sabia da sua existência, mas quando apareceu só me trouxe benefícios, já que os anjos procuraram meu reino para tentarmos te achar. Ainda me pergunto como acreditaram que aquele imprestável do Yaza seria capaz de ser tão engenhoso a ponto de formular um plano dessa magnitude. Khione sinto que devo te pedir desculpas pela morte do seu avô, aliás a ideia de convocar Mykal até meu reino para um teste foi minha, como se sente sabendo que dormiu na mesma cama que a mandante do assassinato do seu precioso Arwen? — Sinto meu corpo ferver de ódio.

— Como nunca sequer pensei nessa possibilidade? Era visível que os demônios sempre estavam um passo a nossa frente, como não desconfiei que havia um traidor?

— Me pergunto o mesmo, como nunca desconfiou de que não havia um traidor? Como pode ser tão ingênua? — Psyche diz rindo. — Perdoe-me pelos meus modos. Continue pensando, não a interromperei mais.

— Continue com seu desdém e me certificarei que apodrecerá em nossas prisões.

— Claro, posso saber com que guardas pretende me manter presa? Os poucos de vocês que restaram ou fugiram ou são meros moradores que eu tive pena de eliminar. Olhem ao redor, estão arruinados, não há chance de me vencerem. Podem me prender, minhas tropas invadiram Elphia uma vez e invadirão novamente para me resgatar, tudo é uma questão de escolha para vocês. Morrem por me deixarem presa, ou me deixam ir e adiem sua morte por mais uma ou duas semanas. Ao menos uma morte digna, lutando, tentando sobreviver, a escolha é de vocês.

Seis Mundos: Novas OrigensWhere stories live. Discover now