Quarenta e um.

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Me encontro largada no tapete da sala de estar, passeando meus dedos de forma hipnotizantes pela pelagem macia. Esfrego meu rosto lentamente, o objeto me proporcionando uma espécie de massagem.

— Savannah? — meu avô pergunta, me dando um susto e me obrigando a sentar imediatamente.

— Oi, oi. Estou aqui. — respondo ainda no chão.

— Por que está no chão? — franze suas sobrancelhas esbranquiçadas.

Olho em volta, me dando em conta que talvez não tenha sido uma das decisões mais espertas tomar um de meus comprimidos com meu avô em casa.

Uhh... É confortável. — dou de ombros torcendo para o senhor não perceber a lentidão que eu pronuncio as palavras.

O velho continua desconfiado.

— Confortável para pôr os pés, não se deitar nele. — se posiciona em seu habitual assento que já está fundo de tanto tempo que o senhor passa sentado olhando para a TV.

Opto por ficar de boca fechada. Quanto menos eu falar, menor é a chance dele perceber que não estou sóbria.

— Cadê a Margot? — pergunta com o controle remoto já em mãos.

Dou de ombros coçando minha nuca.

Mal lembro quem é o presidente atual, muito menos para onde minha tia foi.

— Dentista, ou coisa do tipo. — desvio o olhar do seu.

Ele fica em silêncio e eu também, falando apenas quando a pergunta é direcionada à mim.

Tudo parece mais intenso quando você está chapado. As cores mais vívidas, o toque mais aguçado. Tudo parece estar acariciando sua pele e mesmo quando você fecha os olhos é possível ver as luzes brilhantes.

Por isso não é fácil disfarçar. Parece que estou embaixo da água quando falam comigo, todas as vozes distantes e as palavras não parecendo fazer sentido.

Os movimentos parecem lentos.

— Savannah? — chama minha atenção e eu me viro para o senhor. — Fiquei sabendo que sua mãe entrou em contato com você há alguns dias.

E rápido assim, toda a minha brisa foi embora.

Só a menção da mulher que me trouxe a vida já aperta meu coração quase que imediatamente.

Solto um logo suspiro e me levanto do chão, me jogando no assento ao lado do meu vô. Apoio minha cabeça em seu ombro enquanto ambos olhamos para a TV, mesmo sabendo que ninguém está assistindo.

— É, ela me ligou. — digo com desânimo encarando minhas unhas por fazer. Ouço o senhor respirar fundo ao meu lado, da mesma forma que se prepara para contar alguma coisa que não quer falar. — Fala logo. — peço entediada.

— Você vai viajar pro Texas esse final de semana. — diz sem rodeios. Ele sabia o quanto isso me afetaria, por isso não queria me contar.

As palavras quase me fazem tremer. Qualquer coisa menos isso. A morte menos isso.

— O que? Não! — me levanto do sofá em um pulo e paro na frente do senhor, protestando. — Eu não vou, não quero ver ela muito menos voltar para aquela cidade!

Minha cabeça gira pela rapidez que me levantei, dando uma leve cambaleada para trás e esbarrando no rack.

Não pode ser. Ele vai me mandar de volta? Eu não quero. Não quero. Só percebi agora, mas eu não quero voltar pro Texas, nunca quis.

Aqui eu sou feliz, ou algo muito similar à felicidade. Talvez o meio caminho até lá. Não quero ir embora. Não posso.

Eu achei que... Deus, como eu sou estúpida. Como eu fui cair em uma dessas? Eu realmente achei que esse velho me amava, ou no mínimo tinha algum apreço por mim.

E eu achei que o amava também.

— Savannah, não transforma isso em uma coisa mais difícil do que é. — pede com paciência.

Ele sabe. Meu avô é um dos únicos que sabe como essa mulher tratava a própria filha, como ela mudou depois da morte do marido, como ela conseguiu me transformar no que sou hoje em dia. Ele sabe.

Por que quer me chutar pra lá novamente?

Eu sei que sou complicada, mas pelo amor de Deus. Eu me ajoelharia agora e imploraria para não voltar ao Texas. Aquele lugar, aquela casa. A minha mãe.

— O que, ela me despejou pra cá e como você está entediado, vai me mandar de volta como se eu fosse uma bagagem? — esbravejo brava.

Eu não quero ir.

Nesse momento eu desejaria estar bem mais chapada do que estou pra lidar com essa merda toda. Talvez o dobro do que eu tomei.

— Ei, calma. Ninguém vai te mandar de volta. — se levanta com dificuldade parando na minha frente.

Meu coração ainda bate forte dentro do peito e eu faço o possível para controlar minha respiração e ouvir o que ele tem pra falar.

— Explicações...?

— Eu posso ser o seu guardião-legal, mas sua mãe ainda é sua mãe. Eu não vou negar ela de te ver. — desvio meu olhar do seu, mordendo a parte interior da minha bochecha.

— Eu pensei que, como guardião-legal, você tinha que fazer o melhor pra mim. E acredite em mim, ver ela é o pior pra mim. — digo exasperada. — Por favor, vovô. Eu não quero ir. — peço, quase como se doesse a ideia de ver aquela mulher, engolindo a bile.

Ele respira fundo, fechando os olhos e abaixando a cabeça.

Meu peito parece que vai se abrir naquele momento mesmo de tanta ansiedade que sinto no momento enquanto espero sua resposta.

Eu só queria ouvir um "Tudo bem, minha filha. Você não precisa ir", mas ao em vez disso, o que eu recebo é:

— Desculpa, Anninhah. — me chama pelo apelido de família de quando eu era criança. O mesmo apelido que meu pai me chamava.

Não consigo nem dizer nada. Não consigo pedir para não ser chamada assim, não consigo gritar. Uma dor enorme em meu peito é formada, me sufocando como se quisesse me matar. E tudo que eu queria era morrer naquele momento.

— Vai ser só uma viagem de fim de semana. — reafirma quando percebe que não digo nada. Mal me movo. — Mas pode ficar tranquila que quando você voltar, a sua casa vai continuar aqui, ok? Eu vou continuar aqui. — segura minhas mãos frias me aquecendo.

E algo no modo que ele diz "sua casa" e "eu vou continuar aqui" faz a dor em meu peito amenizar.

Ele vai estar aqui quando eu voltar. E isso é tudo que importa.

Continuo calada encarando meus próprios pés. Sem reação, sem saber como lidar com essa situação.

Eu sei que no momento em que pisar meu pé na minha velha cidade várias coisas virão à tona. Coisas que eu lutei pra esquecer, coisas que não quero relembrar.

As minhas mãos caem ao lado do meu corpo quando vovô as solta de repente, saindo do local. Antes de cruzar a sala ele se vira para mim com olhos tensos.

— Seja lá a merda que você usou, acho melhor eu não ver você com ela de novo. — sua voz diz simples, tomando conta do ambiente e causando um eco na minha cabeça.

Puta que pariu. Ele sabe.

apertem a estrelinha😈

Savannah TaylorWo Geschichten leben. Entdecke jetzt