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Manuela.

Hoje estava um dia bem calorento, sensação térmica estava batendo quarenta graus e para nós cariocas não era motivo de surpresa. Aqui é calor ou maçarico quando não os dois juntos.

Decidi dar uma volta com o Ben na orla hoje, coloquei no mesmo uma roupa mais fresquinha e o enchi de protetor solar como sempre e ele odiava. Numa mochila pequena de passeio coloquei uns biscoitos, frutas cortadas dentro de um pote e em duas garrafas térmicas levava água fresca para o mesmo. Vesti uma roupa bem simples e confortável, apenas um short de pano branco, uma blusa curta florida e chinelo nos pés. Prendi meu cabelo num coque bem para o alto, peguei o Benjamin do berço o colocando direto no carrinho e o prendendo com o cinto.

— Vamos dar uma volta, amigão? — abriu sua banguela dando um sorriso gostoso e logo levou seu mordedor até a boca.

No celular eu respondia Diego, ele costumava ficar preocupado quando eu saia sozinha e até mesmo quando estava com o Ben desde o último acontecimento mas eu não podia deixar minha vida parar por causa daquilo, foi traumático sim porém a vida segue. Hoje tento levar isso da forma mais leve possível, me lembro bem de ficar alguns meses tendo crises de pânico, foi meses também onde eu mal conseguia alimentar o Benjamin direito pela falta de produção de leite e isso me deixou ainda pior.

A vida segue pra frente e não pra trás.

Disse para Diego que só iria dar uma volta rápida e antes de escurecer eu estaria em casa e ainda sim tenso o meso aceitou. Tranquei a porta jogando as chaves no bolso na lateral da bolsa do Ben e chamei o elevador.

— Boa tarde. Vai passear com a mamãe, vai? — Dona Flora do 402 brincou com o Ben que sorriu.

Pensa num bebê simpático!

— Está muito calor, resolvi sair de casa um pouco com ele. Aliás, ele nunca passeou por cá.

— Faz bem, minha filha — a porta do elevador se abriu — estou indo fazer algumas comprinhas...

Sorri amigavelmente. Nós duas saímos do prédio e por alguns metros fomos conversando, em quinze minutos Dona Flora me contou praticamente sua vida inteira e isso incluindo a fatídica morte do seu marido há três anos atrás.

— Sinto muito, Dona Flora — meus olhos ficaram marejados. A dor da perda deve ser horrível e eu não gostava nem de imaginar.

— Nesses oitenta e sete anos aprendi que as pessoas vem e vão, é somente uma passagem. Sinto falta do meu companheiro todos os dias, mas o importante é toda nossa trajetória vivida. Foi uma cumplicidade de muito respeito e carinho...

Essas palavras ficaram grudadas em minha mente como um chiclete como se elas quisessem me dizer algo. Quando Dona Flora seguiu seu caminho, eu e ben continuamos a andar pela orla e em alguns momentos eu parava pra dar água ao mesmo e reforçar o protetor.

Sem contar das inúmeras vezes que me pararam pra brincar com o mesmo, ele era uma criança que chamava bastante atenção.

Também no caminho comprei um suco de laranja bem gelado pra mim, tinha um tempo que eu não pegava um sol e caminhava tranquilamente num dia qualquer. As vezes nós só precisamos de uma distração pra organizar nossos pensamentos, deixar fluir um pouco pra encontrarmos a solução dos problemas.

A minha era óbvia mas a pergunta era: Como fazer isso sem machucar o próximo?

Talvez pensasse isso porque meus desejos iriam contra ao que eu devesse fazer? Eu estaria sendo egoísta aceitando a oportunidade de estudar lá fora? Não queria acreditar que estaria deixando tudo que construí para trás pra seguir um sonho.

Mas não há como não abrir mão de certas coisas, não é? Minha cabeça martelava.

Passeando ainda por Copacabana esbarrei com uma menina usando roupas esportivas correndo na direção oposta.

— Ah, me descul...

O cheiro do perfume fez meus pelos do corpo subirem, foi como se já tivesse sentido ele antes e forcei a vista pra enxergar diante do boné preto enterrado na cabeça o bendito rosto com a missão de reconhecê-la.

Senti um frio na espinha e eu não costumava a sentir isso.

— Perdão. Mas eu lhe conheço? — perguntei sem graça e um pouco nervosa.

A menina não respondeu, voltou a correr como fazia antes e foi coberta pela imensidão de pessoas que andavam pela orla também. Meu coração tinha se apertado, já não me sentia tão bem e o que me afligia é que foi tão repentinamente. Marcavam cinco e vinte e um da tarde no relógio, como havia prometido para Diego que voltaria pra casa antes de escurecer decidi voltar pra casa com Ben.

Como era lindo o clima aqui ao entardecer no Rio de Janeiro, não sabia explicar a vibe que aqui tinha mas era maravilhosa. Na volta também comprei um açaí, na metade do caminho Benjamin adormeceu no carrinho e antes das seis e meia nós já estávamos em casa.

O coloquei no berço, desfiz a bolsa do mesmo ajeitando tudo em seus devidos lugares e tomei um banho vestindo uma roupa bem confortável. Preparei a janta, fiz um escondidinho de carne seca acompanhando de arroz e feijão fresquinho e sentei no sofá pra assistir o Jornal.

O resto do dia fiquei pensando na menina na qual eu havia esbarrado. O perfume foi um fator tão marcante pra mim que em alguns momentos eu tinha certeza de que ela não era estranha pra mim mas todas as tentativas de buscar na mente quem era ela foram totalmente falhas.

No auge dos quase dezenove anos eu já estava sofrendo de amnésia? Ou tinha ficado maluca de vez? Muitas dúvidas...

Por volta das nove quase dez da noite Diego chegou, tirou suei sapato o empilhando na parede e jogando seus pertencentes na mesa. Ele veio em minha direção com um sorriso no rosto e selou nossos lábios.

— Ben está dormindo? — perguntou alargando sua gravata e eu assenti.

— Desde às cinco.

— Hum. Que cara é essa? — arqueou a sobrancelha.

— Oi?

— Parece está preocupada com algo.

Suspirei fundo e forcei um sorriso.

— Impressão sua, meu amor!

— Vou acreditar, hein? — beijou minha testa — Vou tomar um banho e já volto.

— Tá fedendo a gambá.

— Catarrenta! — disse do corredor e eu ri.

Antes de ir de da de mamar para Benjamin, arrumei a janta na mesa e depois só esperei o outro sair do banho que demorou séculos. Nós conversamos sobre ambos dias enquanto jantávamos, Diego me falou de algumas coisas da empresa que estavam acontecendo, mesmo não sendo do meu setor eu entendi algumas coisas.

Gostava de ver como ele e Gabriel eram em relação ao trabalho, como eles recuperaram a cumplicidade e que ninguém podia falar deles pois ambos eram uma dupla muito bem posicionada na empresa. Eles eram meus orgulhos.

— Nunca pensei que você faria uma comida tão gostosa algum dia.

Chutei sua perna por baixo da mesa e o mesmo gemeu de dor.

— Qual é! Você não se lembra do dia que vc queimou o miojo e salgou o macarrão?

— Isso faz anos, Diego — rolei os olhos — e outra, eu tinha onze anos e você é meu irmão que quiseram comer. Não fiz nada pra vocês.

— O colesterol foi lá em cima quase caí duro no chão.

Não aguentei e acabei caindo na gargalhada. Que idiota!

Assim que terminamos Diego lavou a louça e guardou toda ela enquanto eu checava Ben em seu quarto e logo após fui escovar meus dentes e me deitar. Espero que eu tenha consigo não preocupar Diego, eu não conseguia disfarçar quando algo me incomodava e hoje me esforcei bastante.

Como se não bastasse as coisas que eu já tinha que lidar, ainda me aparece mais uma pra me deixar com uma pulga atrás da orelha!

Adormeci depois de um tempo e nem vi quando Diego adentrou ao quarto e se deitou ao meu lado.

NÓS 2 | UM NOVO ACASOWhere stories live. Discover now