Virei a página do livro entediado, dividido entre a vontade de procurar algo melhor para ler e a preguiça de sair do lugar.
Esse horário das quatorze às dezesseis costuma ser o mais vazio, e corri os olhos pelo ambiente identificando os poucos clientes presentes e brincando de adivinhar o que comprariam – um hobby desenvolvimento para aplacar o tédio. Reconheci a universitária gótica de uns dias atrás, dessa vez sozinha e compenetrada em ler sinopses de livros aleatórios, se deslocando aos poucos para a mesma seção em que estiveram da outra vez, olhando um pouco tímida para os lados, provavelmente com vergonha.
Se soubesse o quanto é comum, ficaria mais a vontade. Afinal, esses livros figuram entre os mais vendidos das editoras, disputando espaço com auto ajuda e trilogias de aventura juvenil – as pessoas são mais parecidas com seus pares de mesma faixa etária do que ousam admitir.
A moça procurou entre os títulos disponíveis, lendo sinopses e aparentando uma insatisfação crescente por não encontrar o que queria. Devia ter voltado para minha leitura, pois ela olhou para o balcão em dúvida se me chamava ou não. Agradeci internamente quando por fim ela decidiu conferir por si própria de novo os itens disponíveis, até contornar a prateleira e ir para a seção de ciências exatas.
Percebi que estávamos sozinhos na livraria, e fui para a cozinha fazer outro café e escolher um livro melhor para ocupar as horas finais do dia.
Quando retornei, ela esperava em frente ao balcão, mordendo a ponta de um dedo displicente enquanto olhava a pilha de volumes devolvidos, um pouco confusa.
— Oi. Encontrou tudo o que queria?
Chamei sua atenção com a pergunta padrão e ela me fitou embaraçada, e percebi que não, mas que também não perguntaria. Tirou um papel dobrado do bolso da jeans e estendeu.
— Preciso desses... Não encontrei.
A lista continha literatura técnica que ela dificilmente encontraria em uma livraria comum, e se encontrasse, pagaria caro por eles. Geralmente as pessoas do seu curso sequer compravam; a internet está aí, afinal – não que eu fosse sugerir pirataria vivendo justamente de vender livros.
— Não tenho. Já checou com sua universidade? Muitas fazem empréstimos ou até compram livros base de suas disciplinas.
— Vou tentar. E esses livros? Estão usados.
Digitou a senha do cartão e questionou sobre os volumes que analisava anteriormente. A garota era curiosa, e apesar do jeito retraído, desenvolta.
— Tenho uma espécie... De clube do livro aqui. Alguns clientes pagam mensalmente e podem pegar livros emprestados, excetuando-se as edições especiais, claro.
— E quanto pagam?
— Depende da quantidade de livros do pacote. De qualquer forma, sai mais barato do que comprar todos.
— Interessante... Existe uma espécie de curadoria de sua parte, ou a escolha é livre?
Fiquei um pouco desconfortável com a forma penetrante e atenta com que me observava e desviei o olhar um segundo, a tempo de ver que as pontas de seus dedos passeavam na borda dos livros recém adquiridos e perceber que ela pintava as unhas de um tom de café escuro, já um pouco descascado nas pontas, o que me lembrou quão ridículo era se sentir intimidade diante de uma universitária.
— Geralmente escolhem livremente, mas faço sugestões conforme identifico o perfil do leitor.
Agora a encarava de volta, prestando verdadeira atenção nela pela primeira vez. Sob a maquiagem pude perceber uma quase imperceptível marca de cicatriz, tão discreta que só a reconheci por ter também várias espalhadas pelo corpo.
Os olhos possuíam um forte contorno preto por fora, que amendoava os olhos naturalmente puxados e lhes dava mais expressividade – o olhar dela era naturalmente profundo e adquiria uma força quase sobrenatural assim. E quando a boca se mexeu, talvez a parte mais delicada de seu rosto de traços marcantes, percebi que perdi muito tempo a admirar sua beleza.
— Talvez eu faça parte, algum dia.
— Espero que sim.
Agradeceu e saiu com seus livros em um passo sereno e gracioso, os cabelos curtos balançando suavemente conforme seu corpo oscilava.
Algo me dizia que aquela garota voltaria e traria uma tempestade consigo.
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O livreiro
FanfictionAcostumado a uma vida solitária e voltada para o trabalho em sua livraria, a rotina de Levi é abalada quando Mikasa vem até sua loja procurando livros eróticos e alguém para vivê-los com ela.