A rotina se encarrega de tornar a progressão de dias até a morte ainda mais lenta.
Bendito o refúgio que encontrei nos livros, portas para realidades mais suportáveis e até mesmo, aprazíveis.
Escrevi esses devaneios em uma folha solta, impaciente ao ver o sol a pico jogando na minha cara as horas restantes para o fim do expediente.
Clientes entravam e saíam em uma procissão silenciosa e amorfa que não chamava minha atenção, exceto quando reconheci entre eles a moça de dias atrás.
Ao me ver, desviou o olhar e rumou para as prateleiras, sumindo de vista nos fundos da loja – sua posição devia ser visível da copa, e estranhei o súbito interesse em observá-la.
Resisti ao impulso, embora isso me custasse a imaginação: de repente, aqueles olhos marcantes se tornaram meu único pensamento.
Em menos tempo do que das outras vezes, ela veio até o balcão, dessa vez de mãos vazias.
— Pois não?
— Quero participar do clube do livro.
Sua fala foi assertiva, contrariando o rubor em suas bochechas, desnecessário e para mim, inexplicável. Muita coisa nela era misteriosa.
Ajustamos os valores e outros detalhes técnicos enquanto seu nome recém revelado martelava em minha cabeça, tão peculiar quanto sua dona: Mikasa.
Como se não bastasse, partilhava o sobrenome comigo, fato que omiti por julgar uma coincidência menor.
— Já escolheu seu primeiro livro?
— Não. Pode me indicar?
A pergunta comum e corriqueira no meu cotidiano assumiu dessa vez um verniz complementarmente diferente: lembrei dela insatisfeita, procurando entre os livros eróticos algo que nunca chegou a encontrar, e senti uma vontade genuína de apresentar um dos meus favoritos.
Felizmente, tive bom senso o suficiente para suprimir essa intenção.
— Qual gênero prefere?
— Romance.
Abaixou o tom um pouco como se revelasse algum segredo, ficando adorável e dando a impressão que essa timidez era uma isca, uma armadilha. E embora ignorasse se intencional, estava muito próximo de cair.
— Prefere clássicos, contemporâneos, ou de algum movimento literário específico?
— Prefiro os bons.
Sua sinceridade soou atraente; sai de trás do balcão e a convidei a me acompanhar, mostrando alguns clássicos.
Curioso como é possível conhecer muito de uma pessoa através do que ela lê, e a vontade de saber o que se escondia atrás da personalidade discreta só crescia. Por hora, descobri que era curiosa: além de querer saber a sinopse do livro, perguntava também o que eu achava dele, ocupando parte da minha tarde com uma inusitada conversa.
Por fim, se decidiu por Madame Bovary; eu sabia muito bem que não era o tipo de livro que procurava, mas ela mesma ainda parecia ignorar o que queria, e foi estranhamente excitante a ideia de conduzi-la por sua estrada literária até os livros que tirariam seu fôlego. Será que eu conseguiria interpretar e satisfazer seus desejos através da leitura?
Retornamos ao caixa para registrar o empréstimo. Mesmo sem querer, desviava a atenção da tela e a fitava em sua distração; Mikasa tinha chamado minha atenção e estava genuinamente feliz com seu ingresso no clube; uma garantia de que a veria periodicamente.
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O livreiro
FanfictionAcostumado a uma vida solitária e voltada para o trabalho em sua livraria, a rotina de Levi é abalada quando Mikasa vem até sua loja procurando livros eróticos e alguém para vivê-los com ela.