Capítulo 6

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Terminei a última página do livro indicado por Mikasa e o coloquei fechado sobre a barriga, tendo o cuidado de tirar os óculos antes de cerrar os olhos e mirar meus próprios sentimentos conflituosos.

Aquele personagem tinha sérias questões não apenas com sua sexualidade, mas sobretudo com relações românticas; paradoxalmente, foi a relação estabelecida com um aluno que possibilitou ir ao fundo de suas emoções, compreende-las e então, superar os próprios conflitos.

Mais sugestivo que isso, impossível, e restava saber se foi um chute acertado ou análise criteriosa de minha personalidade - será que ela já sabia me ler tão bem? A ansiedade disputava espaço dentro de mim, de saber se era alvo de um ardiloso plano de conquista ou apenas vítima dos desejos incompreensíveis de uma universitária caprichosa.

Qualquer que fosse a armadilha, avançaria de bom grado.

Depositei os objetos sobre o criado mudo e decidi tomar um chá; péssimo hábito tomar estimulantes durante a madrugada, mas a crise de insônia já tinha se instalado de qualquer forma.

O primeiro gole desceu quente e confortável, acalmando os sentimentos conflitantes; aspirei o aroma forte e debrucei sobre o balcão, fitando o vazio até que a mente ficasse tão em paz quanto a madrugada silenciosa.

Voltei para a cama e por hábito, chequei o horário no celular para saber quanto de sono a oriental tinha roubado. Uma mensagem de um número desconhecido chamou minha atenção, e toda a tranquilidade evaporou quando li:

"Por quê me indicou um livro tão perturbador?"

Imaginá-la na cama percorrendo as linhas de um romance erótico foi a pá de cal no sossego que acabava de conquistar. Esperava que a história a impressionasse, e sabia agora que acertei o alvo.

Pesei com cuidado a resposta que daria, e tive um estalo de compreensão: não devia responder, pelo menos se quisesse mantê-la interessada.

Conduziria suas dúvidas, faria com que encontrasse as próprias respostas como um bom professor — a julgar pelo título que me indicou, é o que quer de mim. Ou melhor, como o conde que ao final de Teresa, obtinha a entrega total não só de seu corpo, mas de seus anseios, pensamentos e sentimentos.

"Por quê te perturba?"

"Ler Teresa é como olhar no espelho, em alguns momentos."

Saboreei a resposta, antes de enviar outra mensagem.

"Quais?"

Ela digitou por um instante, e depois parou; quando enviou, percebi que queria retomar o controle de seu jogo.

"Acho que é capaz de descobrir."

Fui sincero.

"Não sou ainda; fala menos de você do que Teresa contava para o Conde."

Mais silêncio; abandonei o celular por alguns momentos para abrir as cortinas e permitir que a noite enluarada e cheia de pequenas estrelas baixas nos postes invadisse o quarto com sua claridade.

Quando voltei ao aparelho, encontrei um áudio hesitante, a voz baixa e contrita; delicioso.

"Não li mais que vinte páginas; me vi em Teresa, condenada por uma sociedade que não entendia sua busca pelo prazer... Achei que fosse uma mensagem sua para mim. Uma mensagem de que minha conduta era... inadequada."

Impossível que pensasse assim quando me tinha tão cativo; pensei se deveria responder por texto, áudio ou ainda, se a conversa que queria estimular seria melhor em tempo real. Liguei para ela; se teve a ousadia de invadir minha madrugada com suas provocações, retribuiria o favor.

O livreiroWhere stories live. Discover now