Capítulo 10

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Dessa vez, mal cheguei a dormir.

Prevendo a situação difícil para nós dois quando ela acordasse, preferi nem ficar no quarto. Deixei uma toalha limpa sobre a cama para que tomasse banho e fui preparar um chá.

Com a xícara nas mãos desci para a livraria vazia, iluminada pelos raios do sol nascente; essa visão sempre me agradou.

Recostei no balcão percorrendo os milhares de volumes que me cercavam como verdadeiros e leais guardas, mantendo-me em segurança contra o mundo caótico e cheio de dor além das vidraças.

Paradoxalmente, foram os responsáveis por deixar Mikasa e toda a sua bagunça entrar em minha vida.

— Peguei uma camisa sua, se importa? A minha estava suja...

Voltei-me para a direção da voz e a encontrei parada a poucos metros, usando a mesma saia do dia anterior e uma de minhas camisas, que mal fechava em seu busto exuberante. Segurava sua bolsa em um dos braços, disposta a ir embora e quebrando o encanto da suposta intimidade de vê-la em minhas roupas.

Fingi indiferença diante do quão bem me senti com o que via.

— Tudo bem. Quer chá?

Como previ, recusou. No entanto, logo depois fez um convite surpreendente.

— Estou atrasada, tenho aula daqui a pouco. Mas se quiser, podemos almoçar juntos.

— Não costumo sair no almoço...

— Pode ser um jantar, então. Depois que você fechar.

A ideia era tentadora, muito.

E por isso mesmo, perigosa. Pelo menos se ela insistisse em manter o acordo impessoal. Tentei parecer displicente, apesar da ansiedade crescente.

— Tudo o que eu disse ontem... Falei sério. O que temos não funciona para mim.

Mikasa corou e arrumou uma mecha do cabelo molhado atrás da orelha, parecendo pesar as palavras antes de finalmente libertá-las.

— Eu também falei sério sobre relacionamentos serem difíceis para mim. Mas podemos... sei lá, deixar rolar... gostei de conhecer você.

Sua sinceridade era perceptível, e só percebi que sorri ao aceitar seu convite, quando ela sorriu de volta.

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Passei o dia inquieto, a cabeça totalmente voltada para o encontro que teríamos.

A pizzaria não era exatamente o lugar que eu escolheria: o ambiente informal e barulhento demais deixava a desejar no quesito limpeza. Basicamente, um lugar perfeito para a juventude agitada, e um pesadelo para um homem com certa mania de limpeza como eu.

— Detestou a escolha.

Foi uma afirmação, e achei inútil mentir.

— Faça valer a pena esse esforço.

Soube ter tomado a decisão certa quando fui brindado com seu sorriso leve.

Pela primeira vez, conversamos de verdade. Quer dizer, dessa vez, a conversa foi um fim em si mesmo, ao invés de uma introdução a um jogo sexual.

Descobrimos coisas em comum, mais até do que eu imaginaria ter com uma universitária, e a tensão inicial da noite se dissipou rapidamente diante do entrosamento que demonstramos ter.

Terminamos nossa pizza e ainda ficamos um longo tempo envolvidos no assunto, sem pressa e principalmente, sem pressão de ir embora, e me permiti abaixar a guarda para Mikasa.

O livreiroWhere stories live. Discover now