1 - atrasada

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– o quê? Eu não acredito que ela foi pra uma balada de terno — por mais que eu estivesse totalmente focada nas horas no meu relógio de pulso e no trânsito incansável de plena manhã de Nova York, meus ouvidos não deixam de escutar a Elisa falando ao celular sentada do meu lado no uber — meu amor, aquela dali não precisa de dinheiro pra ficar bonita, ela precisa de milagre — seu tom de voz sai com deboche

Fungo o nariz imaginando em quem deve ser a coitada que teve o azar de cair na boca da Elisa. Genticulo meus braços para chamar a atenção do motorista, ele me encara pelo espelho retrovisor com seus olhos castanhos cor de mel e uma ruga de expressão

– eu te dou mais dez reais se você tirar a gente daqui — faço mensão de mostrar a nota pra ele

– eu adoraria te ajudar dona mas já estou com uma multa alta pra pagar — sua voz é cansada e compreensiva

Respiro fundo me condenando mentalmente por ter aceitado o convite da Elisa pra beber em plena quinta feira com o seu novo namorado e o amigo esquisito dele, que apesar de ser incrivelmente lindo e musculoso, era péssimo em cantadas. Quer dizer, eu leio livros da Colleen Hoover  e Nickolas Sparks todos os dias depois do trabalho, é óbvio que as minhas expectativas são altas

Talvez seja por isso que sou uma mulher adulta de 25 anos, com a agenda vazia pra o final de semana e as únicas pessoas pelas quais tenho contacto por celular são a minha mãe, o meu irmão, meu sobrinho e o meu padrasto. Não que isso fosse um incômodo pra mim, é óbvio que eu não me importo de passar os domingos sozinha no meu Apartamento que divido com a Elisa enquanto faço mensão de me embutir com pipocas, chocolate e todo outro tipo de coisa que ponha em risco a minha saúde...assistindo a algum filme de romance, chorando e me imaginando como seria viver um amor de verdade

Ta legal talvez eu me importe mesmo

Mas por outra tenho o meu emprego que decidi fazer dele meu refúgio da minha vida solitária e repetitoria. Sabia que a cada segundo que se passava estava mais próxima de provar a minha irresponsabilidade para um dos grandes trabalhos que já me foi confiado desde que comecei a trabalhar nesta empresa

Volto a olhar para as horas vendo que sobram apenas 15 minutos para o início da reunião. Respiro fundo tentando pensar numa estratégia de sair desta situação que eu mesma me coloquei. Meus dentes vão de encontro com o meu lábio inferior e pela janela do carro observo a estrada e os carros em fileira

É inevitável não pensar no Malcom. Ele deve estar torcendo para que eu não chegue a tempo e que por fim possa tomar o meu lugar, eu poderia facilmente colocar a culpa desta situação toda por cima dele...ele é literalmente o culpado por toda a desgraça na minha vida

Ele é o culpado pelos documentos que faz questão de não me entregar para poder repassar ao meu chefe
É o culpado de fazer com que eu me afogasse num monte de papelada em plena véspera de Natal impedindo que eu voltasse pra Texas para poder desfrutar do dia junto a minha família
Ele é o culpado da morte do meu cachorro
É culpado por eu cortar a palma da minha mão com faca enquanto eu pensava no quão o odeio

Malcom Maloy se tornou o demônio da minha vida. E eu não posso lhe dar o prazer de me ver cair

Respirei fundo e ajeitei minha postura, tentando manter meus pensamentos com mais clareza. A empresa fica apenas quatro quadras daqui, se eu correr talvez eu chegue a tempo.

Sem pensar mais abro a porta do carro de uma só vez, desço percebendo o movimento do lado de fora, imensamente barulhento e agitado. O motorista ao lado buzina com irritação e eu peço desculpa silenciosamente, sentindo vários olhares por cima de mim

– onde você vai Julie? — Elisa pergunta com a porta semi-aberta

– trabalhar — falo por fim

Corro como se minha vida dependesse disso, isso sem deixar de chamar a atenção das inúmeras pessoas que me encaravam assustadoramente

Quando finalmente chego em frente ao prédio da empresa pelo qual eu trabalho, sinto meus pulmões arderem e minhas pernas cambalearem. Faltam apenas dois minutos para o início. Volto a apressar os meus passos e passo pela recepcionista que me encara estranhamente, provavelmente julgando a minha aparência inaceitável, o meu cabelo solto bagunçado, os saltos nas mãos, a blusa social com os primeiros botões desprendidos e a maquilhagem borrada devido ao suor

Aperto várias vezes o elevador, e sem obter resposta imediata decido então subir as escadas, é loucura eu sei...o prédio é enorme e a reunião é no penúltimo andar, mas não me sobra mais alternativa

Devo ter levado 9 minutos pra chegar. Corro feito uma doida e abro a porta de reuniões bruscamente chamando a atenção do presidente da empresa, alguns funcionários e acionistas posicionados nos seus devidos lugares

– me desculpem o atraso — passo minha bolsa pra frente onde acaba acertando a cabeça do Peter, meu colega de trabalho — me desculpa...ah meu Deus...— abro minha bolsa e acabo derrubando os meus papéis para a apresentação — droga...só um minuto — me abaixo para apanhar, estãos todos desorganizados, sendo que eu os organizei em ordem antes de sair. Consigo escutar uma risada debochada do Malcom e isso me irrita ainda mais

– precisa de ajuda Julie? — meu chefe pergunta

– não, eu tô bem...ah — pego num papel — a alta prevalência de métodos de marketing para...espera, não é esse

– é óbvio que ela não está preparada para a apresentação — Malcom gesticula. Reviro os olhos, ele deve estar se divertindo com tudo isso. Decido então olhar para todos dentro desta sala enorme, eles têm os olhos por cima de mim aguardando por uma reação minha, eu não poderia vacilar num momento como este, eu me preparei por meses a espera de uma oportunidade. Não vou jogar uma oportunidade como esta ao lixo sem ao menos dar o meu melhor

– me desculpem o equívoco do Senhor Maloy mas sim, Eu estou preparada...— olho pra ele que parece se irritar — bom... — jogo os papéis de volta no chão — vou começar dizendo que a empresa de construção civil é um dos maiores setores do país, principalmente na questão econômica — mordo meu lábio inferior — Logo, é natural que pessoas e até mesmo empresas, se perguntem sobre possibilidades de negócios lucrativos na construção civil

– você não acha que seja uma opção pra profissionais autônomos? — um dos assionistas pergunta atento

– sim, é sim...tanto quanto engenheiros e arquitetos. Sendo assim separei dicas de negócios lucrativos para melhoria para a Construmix Maloy — pego num marcador e começo a escrever no papel pendurado no centro da sala — nada mais moderno e fácil para se apostar no setor do que nas famosas franquias — falo causando certos murmúrios na sala — é isso mesmo, Nova York é a sexta cidade com menos franquias no mundo e, claro, as obras não têm tido muito destaque principal porque os empresários não decidem se arriscar. Dados trazidos pela Associação Brasileira de Franchising apontam que é possível ter franquias que variam de 15 mil até 800 mil, cada uma com um faturamento médio mensal específico. Isso não é legal?

– apostar nisso pode ser arriscado

– mas é isso que fazemos, nos arriscamos, são 40% de chance de isso dar certo, então porquê não apostar? — solto um sorriso vendo o rosto de satisfação de todos na sala. Falei mais por alguns minutos respondendo a diversas perguntas e quando finalmente terminei, a sala ficou em silêncio

Consequência Do Nosso Ódio Where stories live. Discover now