41 - o dia

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Eu levei alguns minutos para perceber o que realmente estava se passando bem diante dos meus olhos, no momento menos esperado e no lugar inapropriado. Sierra estava prestes a vir ao mundo e neste momento foi como se tudo o que eu ensaiei quando chegasse o grande dia tivesse simplesmente fugido da minha cabeça de um minuto para o outro. Não consigo me mover ou pronunciar qualquer palavra, a dor é intensa e a vergonha muito mais por sentir humidade nas minhas partes íntimas no meio de tanta gente. Sinto o olhar confuso do Malcom cair sobre mim, até que eu começo a me contorcer de dor na sua frente.

As pessoas que estavam sentadas em outras mesas no restaurante olham para nós com curiosidade, e tudo que eu queria era sair daqui e tirar de dentro de mim essa coisa que me faz sentir uma dor insuportável. Malcom imediatamente se levanta e segura no meu ombro em desespero

– você vai nascer — ele exclama provavelmente surpreso. O parto estava marcado para duas semanas, e agora é como se eu tivesse os meus planos completamente frustrados — meu Deus, meu Deus — ele parece mais angustiante que eu. Se eu não estivesse em uma situação tão lamentável eu provavelmente estaria rindo da cara dele neste momento — Sierra agora não — ele morde o lábio inferior enquanto pega na minha bolsa e mais alguns pertences sobre a mesa

– Malcom faz alguma coisa — digo grunhindo de dor — por favor

– meu amor vai ficar tudo bem — Malcom me levanta e coloca meus braços em volta do seu ombro e me ajuda a caminhar pra fora direção ao carro. Ele me coloca deitada no banco de trás e de seguida sobe falando ao telefone com uma determinada pessoa e explicando toda a situação — por favor não nasce agora, eu...eu tive apenas um ano de medicina

– não acredito nisso — começo a rir mesmo com dor. Malcom conduz o mais rápido possível direção ao hospital e logo que chegamos, pude avistar a Sofia e o Marshall na porta. Ela se sente aliviada ao nos ver chegar e corre para me ajudar a sair do carro

Uma equipa de enfermeiros aparecem me colocando deitada na marquesa enquanto me empurram para dentro. Malcom não solta a minha mão nem por um segundo, seus olhos estão centralizados nos meus e em seus lábios saem palavras de conforto. Eu não consigo decifrar ao certo o que ele estava dizendo por causa da pressão toda, mas saber que ele está comigo nessa me deixa muito mais tranquila

Sou directamente levada para o bloco operatório onde fomos separados. Depois daí não consigo me lembrar de mais nada, simplesmente lembro de ver o médico me cumprimentando e dizendo que irá aplicar uma anestesia local. De seguida, sinto uma ligeira dor no meu abdômen e não me lembro de mais nada, apenas de ver uma completa escuridão

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Por um segundo eu achei que não sobreviveria, estava me sentindo tão fraca e prepotente que cheguei a pensar que a minha hora tinha chegado. Naquele momento da cirurgia, quando eu estava completamente sedada pensei comigo mesma que por mais que eu não saissee dessa sala com vida, eu daria tudo de mim para que minha Sierra vivesse e tivesse o privilégio de conhecer a família incrível que ela tem

Mas aí, simplesmente sinto o pesar dos meus olhos e a claridade tomar conta do meu campo visual. Pisco várias vezes até ter a completa certeza de que estou viva, o choro da minha filha inunda o meu ouvido e mesmo fraca, dou um largo sorriso de alegria e emoção. Antes de eu me mexer consigo escutar uma pequena conversa dos três irmãos no quarto

ela se parece demais comigo

– não diga que ela se parece com você, isso soa estranho demais Marshall

– mas é a verdade

– a Julie vai ter que explicar isso — escuto a voz da Sofia. Tudo parecia tão confuso e embaçado para mim, escutando as vozes de longe e sentindo o meu corpo imensamente pesado

é melhor você me dar

– você mal sabe carregar um bebê

– mas é a minha filha porra — volto a piscar os olhos várias vezes para tentar devolver a minha visão e a primeira coisa que consigo enxergar quando acordo, é o Malcom parado no canto do quarto com um ser minúsculo em seus braços, ele parece tomar todo o cuidado para não derruba lá, e o jeito que ele a segura é estranho

– ainda não acredito que você fez uma pessoa. Uma pessoa de verdade. Isso é completamente contraditório — Marshall fala provocativo

– vocês não vão brigar aqui né...— Sofia vira o rosto e me encara — ela acordou — exclama com felicidade e logo se aproxima — oi amiga, como você tá? — sua mão pousa sobre minha testa em uma tentativa de medir a minha temperatura

– com...com muita dor — falo com a voz rastejando. Logo encaro o Malcom que vem se aproximando vagarosamente com a nossa filha no colo. Mesmo ele não tendo a carregado bem, ela parece se sentir confortável em seus braços

– é normal, você acabou de passar de uma cirurgia

– olha só quem acordou — Malcom fala me entregando a pequena criatura que tem as pernas juntinhas e os olhos fechados, sua boca está semi aberta e ela esboça um bocejo fofo

– ela é incrível — digo já a tendo em meus braços — oi meu amor, eu sou a tua mãe — digo segurando nas suas mãozinhas — e esse chorão é o teu pai. Não se deixa iludir, nem sempre ele é assim. Na verdade ele não passa de um egocêntrico carrancudo — digo e todos na sala se riem — mas ele te ama muito. Tal como a mamãe — lágrimas caem sobre meus olhos — é tão linda

– igual a você — Malcom fala passando a mão no cabelo dela

– é nossa Malcom. Nós fizemos ela

– somos bons quando trabalhamos em equipa — ele beija a minha testa — obrigado por me fazer pai

– obrigado por ser péssimo em alemão — damos todos risadas

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Consequência Do Nosso Ódio Where stories live. Discover now