10 - Ups, vomitei

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3 semanas depois

Observo o meu reflexo diante do espelho enquanto término de organizar os últimos retoques do meu cabelo para mais um dia de trabalho, mordo o lábio inferior me permitindo sentir um sabor metálico em meu paladar e minha boca ser preenchida por uma quantidade exagerada de saliva. Pego num guardanapo e cuspo, já tem uma semana que estou desse jeito e sinceramente é bastante perturbador

Depois que termino seguro na minha bolsa e vou directo a cozinha comer alguma coisa. Elisa está ao pé do fogão ainda de pijama terminando de fritar o bacon com ovos mexidos. Ao sentir o cheiro do óleo misturado com os ovos sinto um certo desconforto na minha garganta, não sei porquê mas ultimamente o meu sentido olfactivo está mais apurado

– não vai trabalhar? — pergunto puxando uma cadeira e me sentando. Ela retira os fones de ouvido e me observa

– eu me demiti

– você o quê?

– ah o meu trabalho é um saco, o meu chefe não parava de puxar o meu pé — ela serve as suas frituras no prato e coloca na mina frente. Quanto mais próxima da comida mais desconforto sinto

– e como pensa em pagar as contas? — pego num pouco de limonada e tomo sentindo um pouco de alívio

– eu vou me virar — Elisa da de ombros e mexe no seu celular sentada na minha frente. Abano a cabeça positivamente e pego no garfo e assim que coloco um pouco de ovo mexido na boca, sinto meu estômago reagir e uma vontade súbita de vomitar que imediatamente é interrompido e eu me alívio

– o que foi isso? — Me pergunta olhando pra mim confusa

– eu acho que vou comer no trabalho

– você não pode sair assim, você sequer jantou ontem

– eu não tenho muita vontade de comer

– Ju o que tá acontecendo? — cruza os braços aparentemente preocupada. Faço que não sei com os ombros e me levanto da cadeira — você tá grávida? — ao me perguntar aquilo eu simplesmente paro o meu movimento e a encaro assustada

– não — é a única coisa que aparece na minha cabeça pra dizer mesmo não tendo certeza de nada. Quer dizer, eu tive sim um caso por acidente mas Malcom é tão cuidadoso com ele mesmo que tenho certeza que ele usou proteção

– você tem certeza? Eu olhei para o seu calendário menstrual, era pra você ter descido a 7 dias

– atrasos acontecem — dou de ombros caminhando até a sala e Elisa me segue

– não com você, você é a pessoa mais regular que conheço Julie. Você precisa fazer o teste

– dá pra você parar de falar? Eu não tô grávida okei? Deve ser alguma virose ou sei lá. Agora preciso ir — pego nas chaves do apartamento e saiu a deixando. No tráfego todo direção a empresa eu não conseguia parar de pensar nas palavras da Elisa, dizer que eu não cheguei a pensar sobre isso estaria mentindo mas...não existe nenhuma possibilidade de estar grávida, absolutamente nenhuma

Assim que chego no trabalho tento dar o meu máximo para me focar. Assim que tive alguns minutos de intervalo, vou directo para o gabinete da Yuna com o meu chocolate quente nas mãos, neste momento vejo o Malcom passar por nós como o de costume. Mas desta vez é diferente, porque assim que olho para ele, as palavras da Elisa me vem a mente de forma súbita e incontrolável. Pensar na existência de um mini Malcom dentro de mim é tão assustador tanto quanto um filme de terror da sexta feira treze

– está tudo bem? — Yuna me pergunta e eu pisco os olhos. De forma involuntária minha mão esquerda vai de encontro com a minha barriga como se eu quisesse confirmar alguma coisa

– tá, tá sim — respondo ainda aérea. No fim decido colocar a culpa de toda essa situação por cima da Elisa, tenho certeza que se ela não tivesse falado sobre isso eu não estaria desse jeito, tenho uma mania de escutar o que as pessoas dizem ao meu respeito muitas das vezes colocando as minhas opiniões de lado

– aí meu Deus, é o acionista maioritário — Yuna diz olhando por cima do meu ombro. Ao me virar vejo aquele homem que esbanja poder passar por nós e pegar o elevador provavelmente indo directo até a sala de reuniões

– eu acho que preciso voltar ao trabalho — pego no meu café e vou correndo até minha sala. Volto a me focar no meu trabalho e não demora muito até o celular tocar e a voz do meu chefe ecoar do outro lado da linha, ele fala para eu o encontrar na sala de reuniões para debater sobre um determinado assunto. Respiro fundo tentando me recompor, pego nos meus papéis e me dirijo até lá, onde observo somente os funcionários de maior cargo na sala, fazendo parte deles o Maloy, a Yuna e o Peter

Todos estão de pé enquanto o acionista fala. Logo que ele termina dá espaço para o Malcom falar, ele então toma o seu lugar ficando na frente de todos para que possamos o observar melhor

– Estamos prestes a vivenciar uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente o jeito que vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em termos de escala, alcance e complexidade, essa transformação será diferente de tudo que presenciamos antes — mesmo de longe consigo sentir o aroma forte de seu perfume que se destaca no meio a todos outros, mas desta vez não é um cheiro que eu gostaria de sentir neste momento, porque volto a sentir o desconforto dentro de mim — Nas últimas duas décadas, o setor teve uma melhora de apenas 20% no índice de produtividade. Nós precisamos de mais

O resto da sala concorda com opiniões diferentes sobre uma certa melhoria. Porém eu me mantenho calada tentando me controlar

– Julie — ao pronunciar o meu nome eu quase me assusto — você não acha que a ineficiência na construção civil é um problema que traz inúmeras consequências? — Malcom me pergunta se aproximando cada vez mais de mim. Mordo o lábio inferior com o olhar desesperador

– uhmm — abano a cabeça em positividade

– que tipo de consequências seriam? — ao me fazer essa questão a sala fica em um total silêncio como se todos estivessem a espera de uma resposta minha — Julie? — ele insiste se aproximando cada vez mais. Por favor Malcom não se aproxima mais

– ba...baixa pro...— não consigo terminar, simplesmente escuto meu estômago fazer um barulho estranho e fico em silêncio tentando controlar. Malcom que agora está na minha frente estreita os olhos confuso, e no momento em que ele pousa sua mão no meu ombro eu vómito por cima dos seus sapatos. Todo mundo fica assustado e o olhar dele é indecifrável, ele está imóvel olhando para seus pés enquanto suas mãos estão no alto

Okei que eu odeio esse indivíduo, mas acho que dessa vez fui longe demais

Consequência Do Nosso Ódio Where stories live. Discover now