24 - Julie você é linda

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Me pego perdido nas memórias dos acontecimentos recentes que atormentam a minha mente e não param de girar em torno dela, mantendo os olhos focalizados no copo de bebida como se fosse a coisa mais interessante no momento. Por mais que estivesse rodeado de pessoas de diferentes portes, é como se fosse somente eu e o meu copo. Tudo na minha vida parece tão confuso, como se eu tivesse perdido controle, logo eu, que faço de tudo pra manter as coisas em ordem

Do dia pra noite meu mundo virou de cabeça pra baixo e por mais que fosse difícil de admitir em alta voz, eu estou com medo. Medo dessa nova etapa, medo de não ser bom o suficiente como nunca fui para as pessoas próximas de mim, medo de estragar tudo e de decepcionar essa nova criatura que me terá como uma figura de superioridade, como o seu exemplo a seguir, como quem recorrer quando tudo estiver desmontando pra ela. E se eu não souber o que fazer? E se eu for um péssimo pai?. E se eu agir como ele agiu comigo?

Por muito tempo eu jurei não ser igual a ele e não permitir que os meus filhos passassem pelo mesmo que eu, mas quanto mais tempo passa, quanto mais eu vejo ela crescendo dentro da barriga de sua mãe, mais eu fico assustado e acabo agindo de uma forma impulsiva

O olhar, aquele olhar de decepção e de tristeza da Julie não me saem na mente. Nunca me importei tanto com que ela pensa sobre mim como agora, ela deve me achar uma pessoa ruim por ter abandonado a minha família, inclusive a minha irmã mais nova. Talvez eu seja, mas ao tomar essa decisão eu estive ciente de que precisava cuidar da minha saúde mental primeiro, e fazer parte daquela família não estava me ajudando

– já chega — a voz do meu melhor amigo me faz despertar dos meus devaneios. Ele arranca o copo da minha mão e o mantém numa distância no qual eu não possa localiza-lo — você tem trabalho amanhã, não pode beber assim

– amanhã é dia de acção de graças — digo me lembrando do quão esse dia é deprimente pra mim. Prefiro passar o dia trancado no escritório trabalhando ao ter que conviver com pessoas que fingem ser felizes

– tá certo. Mas você precisa manter o controle, por ti e pela tua filha que escolheu você pra ser o pai dela, você querendo ou não

– eu não a mereço, você quer adotar ela?

Jimmy se ri e abana a cabeça

– mesmo querendo, ninguém mais vai amar ela como você mesmo. Já chega de agir como um adolescente Malcom, está na hora de você enfrentar os seus problemas de frente e parar de fugir. A Julie só tem você caramba, nem eu, nem a Yuna ou qualquer outra pessoa irá apoiar ela como você. Eu sei que vocês não se suportam tudo e tal mas precisam deixar o orgulho de lado e colocar a menina na frente de todas as vossas indiferenças, ela não tem culpa de ter país malucos como vocês

– isso é encorajador

– agora levanta daí e vai pedir desculpa na mãe de sua filha

– agora?

– claro que não. Você fede. Agora vamos pra casa, tomar um banho e dormir — Jimmy se levanta e pega na minha cintura me ajudando a se levantar. Apoio os meus braços no seu ombro sentindo um pouco de tontura

– obrigado irmão. Eu te amo muito

– cala a boca
 
Quando chegamos no meu apartamento, Jimmy me dá um banho de água gelada e de seguida me coloca deitado na cama após ter tomado uma sopa. Ele fala algo que não consigo perceber correctamente e de seguida sai do quarto. Deitado de barriga pra cima fico pensando nela e de como vou me desculpar por ter agido como um idiota em frente de muitas pessoas

Sem pensar muito, pego no celular e digito uma mensagem rápida pra ela: "Julie precisamos falar, você é linda e eu amo que seja a mãe da minha filha". Clico em enviar e apago.

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Na manhã seguinte, para a surpresa das pessoas na empresa, eu acabo chegando um pouco acima da hora. Dormi mais do que deveria e acabei perdendo a noção do tempo. Com os óculos escuros sobre o meu rosto, caminho com passos rápidos até a sala de reuniões, onde todos os olhares são virados pra mim. Procuro por uma cadeira vazia e me sento com a cabeça inclinada e os olhos dormentes

Enquanto o meu tio falava, percebo que Julie não para de olhar pra mim, parece uma mistura de raiva e preocupação.

– a reunião acaba por aqui, todos estão dispensados e feliz acção de graças — ele encerra a reunião e a sala vai se esvaziando poucos aos poucos. Arrumo minhas coisas vagarosamente — nem vou perguntar porquê você chegou atrasado ou porquê dormiu na reunião do balanceamento mensal

– obrigado

– eu vou passar o acção de graças com a Charlote e alguns amigos. Você vem?

– não obrigado — digo sem me dar o trabalho de justificar. A última coisa que quero é ficar com o meu tio e a sua namorada num dia como esse.

– o que tá acontecendo Júnior? Você não é assim — ele apruma os lábios — é a paternidade não é? — questiona e abano a cabeça positivamente. Ele coloca sua mão no meu ombro em insetivo e se retira

Levanto segurando minha maleta e assim que me preparo pra sair, Julie para na minha frente de braços cruzados, seus olhos castanhos cor de mel me encaram intensamente e ela parece brava. Ela tenta alcançar a minha altura mas chega a ser engraçado

– você bebeu ontem? — ela pergunta

– porquê?

Ela pega no celular

– "Julia, precimos constar, você é linda e eu asmo que seja a mãe da..." — ela repete a mesma mensagem que mandei ontem antes de eu apagar mas de uma forma distorcida — teu celular não tem corrector automatico não?

Respiro fundo pensando na possibilidade de ceder ou não

– me desculpa! Eu não queria falar com você daquele jeito, aconteceram tantas coisas no passado que eu não queria ter que ficar remoendo momentos desagradáveis. Não quero que vivamos brigados

Ela continua olhando pra mim, morde o lábio inferior como se estivesse pensando se pode ou não me perdoar. São os piores cinco segundos mais tortuosos porque eu nunca sei o que se passa dentro de sua cabeça

– voce quer passar a acção de graças em Texas com a minha família?

– o quê?

– AH! Quer dizer, é importante você conhecer a minha família né — ela desvia o olhar se sentindo receosa e eu sorrio de leve — quer saber? Pode recusar eu não ligo. Eu nem queria te chamar mesmo — ela dá as costas pra mim e se vira pronta pra sair

– eu quero — falo chamando sua atenção

– bom...a gente se encontra na estação de trem. Em meia hora, estarei te esperando — ela apruma os lábios e de seguida se retira.

Consequência Do Nosso Ódio Where stories live. Discover now