03. A DESCOBERTA

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Seu Raimundo é inocente.

Essa certeza absoluta era o que mais rondava a cabeça de Alana. Tinha algo errado nessa história e não poderia confiar em ninguém para falar sobre aquilo.

Já haviam se passado três dias. O apartamento de Dona Benedita continuava interditado. A porta lacrada pela fita amarela, os cômodos vazios, os móveis acumulando poeira, as agulhas e linhas de crochê à espera do tempo. Tudo foi abandonado como se não tivessem qualquer tipo de história para contar. No andar de baixo Dona Ana também deixou o seu apartamento vazio. Nos últimos dias procurava consolo na igreja. Rezava continuamente, acendia suas velas e rezava para todos os anjos e santos que guardassem a sua vida em meio a tantos pecados e maldade. Ela não acreditava na inocência de Seu Raimundo, e trazia com ela aquela certeza de que todos ali em algum momento seriam levados para o julgamento final.

Nunca se casou e aos sessenta anos tinha a sua vida nos trilhos. Saiu do interior,  tentou fazer a vida na cidade, pecou com Deus e o céu inteiro, e hoje sentia sua alma limpa, pois servia ao seu Pai, único salvador da humanidade. Humanidade inteira, não só ela, mas para que pensar no todo se poderia cuidar de si mesma e da sua alma para não arder no Inferno? Convivia no meio de adúlteros, traficantes, suicidas, assassinos e pecadores. A única pessoa pela qual rezava era por Dona Benedita, para que a mulher encontrasse paz nos céus.

No andar de cima, Lia, dentro dos seus vinte e poucos anos, ouvia o rock clássico no volume máximo. Precisava calar as vozes na sua cabeça. O remédio havia acabado ontem e não tinha capacidade nenhuma para sair do seu quarto. Toda vez que caia a ficha de que alguém entrou naquele prédio e assassinou a senhora amável no andar de baixo, seu corpo franzino tremia, não de medo, mas em pensar nos motivos de não ter sido ela.

Estava fazendo aquilo de novo. Flora odiava quando ela se martirizava, levava as coisas para o lado dela e sempre parecia querer correr atrás da morte. Nunca teve coragem para fazer o que aqueles murmúrios e pensamentos sempre disseram para ela fazer. Seria doce, amável, calma, mas Dona Benedita morreu horrivelmente, de uma maneira que ela não merecia, que ninguém merecia. Lia viu o apartamento. Todo aquele sangue lhe causava enjoo tirando toda a sua vontade de comer e de sair daquele quarto. Alguém dentro daquele prédio havia matado ela e encarar a morte assim lhe causava arrepios sinistros, além de um medo que nunca pensou que ainda fosse capaz de sentir.

Helô também sentia medo. Nos fins de semana, Dona Benedita costumava lhe dar fatias de bolo de fubá, e quando não era atormentada por Dona Ana, fazia questão de ir até o seu apartamento e tomar uma xícara de café. Tinha o cheiro da sua avó, o tom de pele da sua mãe e na sua vida atual ela quase parecia ser família cheia de aconchego. Por respeito a sua ausência, Helô não deixou o Antunes aparecer ali. No fundo Helô estava cansada de ser aquela que transava com homens casados e vendo a morte assim tão perto, o sentimento ficou ainda mais forte.

Sentimento esse que Bruno desconhecia à séculos. Não havia para quem ligar para se preocupar, mas em meio ao seu silêncio emocional e social, mergulhava no universo tecnológico. Ele tinha problemas de socialização e falar com o delegado foi um tormento. Nunca viu Dona Benedita. Heitor não era nada profissional, mas ajudou ele a entender certas coisas. A primeira era que ninguém sabia o que realmente havia acontecido e segundo que aquele prédio tinha muita coisa para contar.

Com a voz de Axl Rose nos seus ouvidos, Bruno de frente para a página aberta na pesquisa sobre o prédio fundado na década de 60, percebeu na loucura dos seus neurônios que as feras estavam à solta e eles eram a caça.

O Assassinato no Edifício 83Where stories live. Discover now