07. A GATA MIMI

9 2 2
                                    

Lia encarou o contato da ex-namorada no telefone, com o polegar trêmulo sobre o botão verde. Estava cansada demais para criar coragem e ligar para ela. Flora fazia falta às vezes, sentia saudade da sua presença real, dos dedos amáveis, do olhar carinhoso. Suspirou pondo o telefone de lado. Pensar no que ela diria se a visse daquela maneira, triplicou a sua autodepreciação. Não estava bem, seu corpo falava por si só, o vazio do apartamento também, nem ao menos se lembrava o real motivo pelo qual saiu daquele apartamento alugado na Tijuca para ocupar um tão velho. Aquilo cairia na sua cabeça a qualquer momento, e talvez fosse isso que lhe desse conforto.

Jogou água no rosto e ajeitou a roupa, precisava comprar os seus remédios e repor a comida, aquela seria a sua maior vitória na semana, depois de levantar da cama.

Mas Lia resolveu sair em um dia ruim, um péssimo dia para uma mente tão perturbada quanto a sua. A garota do 304 não sabia o que estava de fato acontecendo com o resto dos moradores no Edifício 83. Bruno não desconectou a câmera do seu apartamento e era claro que aquela coisa não estava em um único lugar. Talvez todos eles estivessem sendo vigiados como em um reality show, onde o prêmio final talvez fosse a morte. Henrique continuava destruindo o apartamento de Dona Benedita, que sempre parecia sussurrar no ouvido de Alana o nome das pessoas mortas que encontravam sufocados em cartas, papéis, mapas, e finalmente na planta do prédio. O homem do outro lado da cidade observava atentamente cada descoberta, o que deixava seus novos sectários atordoados. Eles precisavam ser detidos antes de chegarem aos túmulos, mas o homem gostava do que via. Parece que eles não eram tão deploráveis quanto imaginou.

Entretanto Lia foi a primeira a sair do apartamento. O homem que dormia com Helô permanecia lá e Dona Ana virou a noite em vigília na igreja. Seus olhos castanhos e amuados foram os primeiros a se deparar com a mensagem na parede interna do prédio. Em sangue, sobre a tinta descascada e antiga, as letras garrafais soavam como uma ameaça: “IRÃO SE ARREPENDER”.

No chão o corpo da gata jazia estraçalhado.

O Assassinato no Edifício 83Onde histórias criam vida. Descubra agora