04. O HOMEM BRANCO DE OLHOS AZUIS

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Altura média, íris em tons de mar cristalino, boas roupas em uma rua de classe baixa, cigarro caro nos lábios. Era assim que o vigia observava dia e noite a fachada da antiga sede da sua organização nos últimos quatro dias. Seus fundadores deveriam estar se revirando no túmulo por ver o prédio que organizaram com tantos fundos falsos, consumido pelo tempo e pela existência de pessoas que não tinham o direito de estar ali. Sabia o nome de cada um. A tal Dona Ana, Heloísa, Lia, Henrique, ** e o tal Bruno, garoto esperto esse.

Havia conseguido se livrar da velha solitária do 204 e por conta da incompetência e racismo de Heitor, o tal Raimundo havia sido preso sem eles precisarem mover um músculo. Se o tal delegado não fosse tão porco, poderia ser de grande valia, mas ele não tinha o sangue puro e não merecia ocupar um cargo de destaque. No momento o grupo só precisava reocupar o prédio que era seu por direito e para isso era preciso matar um por um. Ninguém iria se importar mesmo, só precisavam organizar cada etapa.

Henrique parou perto da janela e observou o homem de pé, olhando descaradamente do outro lado da rua. Terminou seu cigarro e analisou a pele branca do homem, passava das dez horas. Tinha o início de uma tatuagem na lateral do seu pescoço e aqueles olhos eram estranhamente claros. Não se intimidou. Chegou mais perto, deixando o seu rosto visível naquela noite atravessada pela luz do poste que iluminava a rua. Tinha gritaria, palavrões e música alta, mas o homem não desviou o olhar principalmente quando encontrou os seus. O rapaz estava a dois dias sem ir na boca, então qualquer pessoa diferente abalava as suas estruturas, mas ele era pomposo demais para ter sido mandado pelos caras, o que só inquietou ainda mais as suas estruturas internas. Ao encarar aqueles olhos azuis, sua cabeça levou ele de volta para o Seu Raimundo jogado em um presídio. Ele era inocente, todos do prédio, menos Dona Ana, tinham certeza disso, mas como comprovar a verdade sem provas? Era um beco sem saída e agora aquilo.

Foram três dias encarando os olhos e o rosto daquele homem que não tinha medo algum de olhar para ele. Henrique teve a sensação de que de alguma forma o homem conhecia ele, e não só ele.

- Tá tudo bem, Helô? - A garota levou um susto ao perceber a presença de Henrique nos primeiros degraus. - Não queria te assustar.

Os olhos escuros do rapaz se mostraram atentos nos cachos presos que sempre teve vontade de tocar, nos lábios com resquícios de batom que tinha vontade de provar e no nervosismo latente que deixavam o seu olhar distante.

- Helô? - se arriscou a estender os dedos até sua bochecha, despertando aquele devaneio.

Helô percebeu aquele rosto perto, reparando no tom de suas íris. Henrique estava deixando a barba crescer, o que era um charme nos traços do seu rosto. Vez ou outra perguntava ao universo o porquê de as únicas escolhas que tinha era em um homem casado, ou em um traficante.

- O que aconteceu?

Pensar naquelas coisas não iriam te ajudar a resolver problemas maiores do que eles dois.

- Tem um homem do outro lado da rua olhando pra cá. - A expressão de Henrique se fechou. Helô sentiu. - É falcatrua tua?

- Não! - Suas mãos se afastaram dela. - Não tem nada a ver comigo.

- Tem certeza? - ajeitou a bolsa em seu ombro. - Eu sei que você... - conteve as próximas palavras.

- O que você sabe, Helô? - revidou cansado de ser sempre limitado aquele lugar.

Ela suspirou frustrada consigo mesma.

- Nada, Henrique. - cortou o assunto e tentou subir os degraus, mas ele não deixou.

A respiração soprou quente contra o seu rosto. As pernas fraquejaram.

- Acredita em mim. - Henrique pediu baixinho, sem capacidade para encarar a decepção no seu olhar. - Também quero saber quem é aquele cara.

- Ele estava aqui ontem depois da meia-noite.

As sobrancelhas se juntaram em um vinco confuso. O rapaz passou a mão pela barba e afundou as costas na parede da escada. O que a sua cabeça estava formando era louco demais para ser verdade.

- Estamos sendo vigiados na cara dura.

Um arrepio subiu pelas costas de Helô.

- Por que? Por quem? Por ele?

Henrique não pensou duas vezes antes de descer os primeiros degraus em direção a porta. Abriu no momento que o Opala verde musgo acelerou pela rua deixando para o rapaz as traseiras acesas.

- Henrique?

Desviou o olhar de Helô na entrada do prédio e ergueu os olhos para a janela no terceiro andar. Bruno encarava ele pela janela.

- Quem é aquele cara? - apontou na direção da rua vazia por onde o carro desapareceu.

Bruno não falou nada, mas por aquele olhar e a respiração nervosa, ficou claro que eles estavam dentro de uma trama sinistra.

O Assassinato no Edifício 83Where stories live. Discover now