Capítulo 13

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SEM REVISÃO

Camila desceu do carro de aplicativo e parou em frente ao portão branco. A muitos anos que não pisava mais naquela cidade quem dirá a casa a sua frente que fora seu próprio inferno particular. Era quase como se fosse possível rever todas as cenas de xingamentos para lhe desestruturar, insulto gratuitos. Foram anos de torturar até que finalmente se libertou. Não gostava muito de lembrar como acontecera aquela libertação, apenas a usava do modo que precisava usar.

Só estava ali depois de muitos pedidos de Duda. Não gostava de ficar relembrando o passado, afinal não poderia mudar uma coisa que já acontecera. Depois de sair do hospital, a coisa mais difícil fora entrar na casa onde iria cuidar de Isis. Ali fora seu lar por poucos meses, se viu fazendo planos e sonhos, mas tudo não passou de ilusão.

Fabio não aceitara a casa de volta, dissera que pertencia a ela. Mas como poderia ainda morar em algo que quem dera fora justamente a pessoa que quebrara seu coração?

Ligia em momento algum se afastou, na realidade a mulher se manteve presente em todas as fase que vivera depois da perda de sua bebê. Balançou a cabeça e não iria andar por aquelas lembranças, não naquele fim de semana. Apertou com um pouco mais de força a alça de sua velha mochila de guerra.

Enquanto encarava novamente o portão branco, sentiu um tremor percorrer seu corpo inteiro. Precisou fechar os olhos para conter uma forte onda de ansiedade misturada com desespero.

— Tia Camiiii!

Camila ouviu a voz alegre de sua sobrinha que a tirava de seu devaneio. Voltou os olhos para Juliana. Loira assim como Maria Eduarda, mas os olhos negros de Fábio. Sorriu enquanto soltava sua mochila, se ajoelhou e abraçou a pequena que se jogava em seus braços.

Ao sentir o cheiro de xampu de morango, imaginou que abraçava sua pequena Isis.

— Meu amor, você está mais linda que a última vez que a vi!

Tocou com carinho no rosto da menina que exibia o sorriso banguela. Gentilmente tocou em seu cabelo louro, que destoava de uma das maria-chiquinha. Tocou com delicadeza a ponta de seu nariz arrebitado.

— Juliana, o que disse sobre sair correndo dessa forma.

Camila ergueu o rosto e encarou o homem a sua frente. Sabia que o reencontraria, havia se preparado, mas seu coração traidor ainda batia de modo descompassado por aquele homem. Fabio não havia mudado quase nada. Claro que o tempo fora muito generoso consigo. Mesmo aos trinta e cinco anos sua beleza era algo que sempre iria perturbar e desorientar seus sentidos.

Fábio parou de modo brusco ao encarar a mulher que sua filha abraçava. Rever os olhos castanhos que ainda mexiam com seu imaginário seria algo muito difícil. Fora apenas um único dia, mas jamais iria esquecê-la. Fora poucas horas que pode ser ele mesmo e se viu rendido pela liberdade e alegria da jovem que se entregou sem vergonha alguma a ele.

Pensou que com os anos, deixaria de ama-la, ledo engano. A cada notícia que recebia sobre ela, seu coração batia mais forte e descompassado. Depois de seu afastamento por um momento pensou em ir atrás dela, mas sua mãe alegou que ele tinha responsabilidades com Juliana.

Apenas permanecia casado com Maria Eduarda por sua filha, apenas por isso. Nem mesmo se lembrava a última vez que havia dormido na mesma cama com a esposa. Sem vergonha alguma, observou a mulher a sua frente. Camila permanecia com o corpo perfeito, mas agora havia algumas tatuagens espalhadas por seu corpo. Seu cabelo antes ruivo, agora estava na cor natural e um pouco mais curto.

Daria tudo para se aproximar e tocar em sua Merida e dizer o quanto ainda a amava. Sabia que seria um fim de semana difícil, talvez não conseguisse resistir. Ainda se lembrava quando fora atrás dela, mas sua mãe não permitiu que se aproximasse, alegando que jamais Camila iria querer carregar a culpa por desfazer uma família.

— Olá, Camila, que bom que veio para festa. — Precisou limpar sua garganta para não demonstrar suas emoções.

— Oi, Fabio.

O casal se encarou por alguns segundos até o surgimento de uma terceira loira. Maria Eduarda parou ao lado do marido e ao ver sua irmã, soltou um grito alegre e a abraçou fortemente.

— Você veio!

— Meus Deus, Duda, calma!

Camila sorria ao ser praticamente abraçada e quase derrubada pela irmã que pulava enquanto envolvia seu corpo.

— Não ouse quebrar minha alegria! — Maria Eduarda se afastou da irmã e apontou o dedo em riste.

— Não digo mais nada.

Camila ergueu as mãos em forma de rendição e riu alto quando novamente sua irmã mais velha a abraça e dava leve pulinhos de alegria.

— Que alegria toda é essa?

— Veja vovó! A tia Cami veio para meu aniversário!

Madalena parou ao lado do genro que pedia licença ao atender o celular e entrava para dentro da casa. Encarou as filhas que continuavam abraçadas. Observou atentamente sua filha caçula. Usava uma roupa que parecia vinda direto de um brechó qualquer. Os cabelos continuavam revoltos e indomáveis. Analisou a filha de cima a baixo e sustentou seu olhar.

— Está magra demais. Não conseguiu se livrar do vício de cocaína? — cruzou os braços.

— Mãe isso é jeito de se falar com a Camila!?

— Estou a limpa a anos, Madalena.

Camila sabia que seria um reencontro difícil, mas não iria mais se abalar com os comentários e atitudes mesquinhas de sua mãe. Há alguns anos frequentava a terapia e iria seguir à risca tudo que seu terapeuta havia lhe dito caso se sentisse ameaçada ou mesmo acuada.

Dez anos havia se passado, enfrentar a perda de Isis fora a coisa mais difícil. A ferida continuava ali, apenas aprendera a conviver a com a dor da perda. Infelizmente escolhera caminhos errados na busca de aliviar a dor dilacerante que apertava seu coração. Duda e seu pai que lhe ajudaram naquele momento difícil.

Mas Ligia fora seu principal apoio. Em um momento de recaída acabou confessando que pela primeira vez sabia o que era ter um amor de mãe e prometera que iria ficar limpar por ela e por sua filha morta. Fora difícil se livrar das drogas, mas conseguira. Precisava conseguir, afinal se continuasse com aquele estilo de vida, sua mãe teria razão sobre ela. Seria uma fracassada qualquer.

Havia retornado para a coisa que mais amava depois de sua filha, a ginastica. Entrou em contato com sua antiga treinadora, Cristina, conversou e explicou toda a situação que vivera. Claro que escondera alguns pontos, mas se animou quando a mulher disse que abriria com maior orgulho seu ginásio novamente para ela. Com isso acabou entrando e se formando em Educação Física.

Quando percebeu que estava novamente no controle de sua vida, resolveu entrar na terapia. E fora ali dentro da sala com seu terapeuta que entendeu seus medos, seus defeitos e falhas. Entendia que ninguém havia poder sobre si além dela própria. Então apenas encarou a mulher a sua frente e permaneceu em silêncio.

— Jura? Não parece. Do modo que se veste, parece que veio direto daquele lugar porco onde pessoas de sua laia se encontram e se drogam.

— Mãe. — Maria Eduarda encarou sua mãe de modo assustada.

— Deixa, Duda. Já estou acostumada a ser tratada assim por ela. Afinal, sou a filha indesejada, não é mesmo? — rebateu.

— Me respeita que sou sua mãe. — Madalena aumentou o tom de voz para filha.

— Dou respeito a quem me respeita, dona Madalena.

Mãe e filha se encaravam de forma séria. A anos Camila se acostumou a ser agredida e rejeitada pela mulher a sua frente, essa qual sempre batia no peito e dizia que fazia de tudo pela família. Por muitos anos chegou a cogitar que talvez nem mesmo pertencesse a essa família, mas era olhar para si e via a versão mais nova da mulher a sua frente.

Camila sabia que seria um longo e tenebroso fim de semana a sua frente. Mas estava ali por sua irmã, essa qual jamais lhe abandonou, por seu pai que sempre dava um jeito de se comunicar com ela e por sua linda sobrinha que era sua felicidade em forma de gente. E principalmente por Ligia por qual a tomara como filha no momento mais difícil em sua vida.

Laços Que Nos UnemWhere stories live. Discover now