3-BATENDO NO CHÃO

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"Fui espancado, fui espancado pela minha vida e um som fotográfico.

Eu estava cheio de amor, eu estava cheio de raiva.

E não há nenhum amigo por perto, nunca serei encontrado

E não há lá ninguém para te ajudar a descer.

Batendo no chão, batendo no chão."

Gordon Gano e Pj Harvey- Hitting the Ground


Era uma da manhã, e mais pobre e enjoada eu maldizia o quarto, ou o quinto, copo de cerveja ao correr para o banheiro, vomitando a raiva junto a pouca comida no estômago.

Enquanto lavava o rosto, vi pelo espelho uma jovem alta e branca, com os cabelos tingidos de cobre saindo de um dos compartimentos. E do mesmo cubículo, saiu um homem alto, pele marrom escura, vestindo um terno cinza chumbo.

Um vampiro.

Eu soube pelo tom dourado que a pele negra dele tinha e pelo comichão na nuca. E ele tinha acabado de se alimentar pela satisfação estampada no rosto.

Achando a ruiva familiar, me virei para olhá-la diretamente. E a jovem de olhos verdes claros me devolveu o olhar com o sorriso do rosto murchando. Ela sussurrou algo no ouvido do vampiro que sorriu em resposta mostrando os caninos expostos. E sumiram do banheiro antes que eu pudesse pensar em abrir a boca.

Apesar de mais magra, do corte do cabelo, antes castanhos claro na altura dos seios, e da maquiagem pesada, aquela era sem dúvidas Cíntia.

Que merda ela estava fazendo ali?

Não conseguia acreditar no que tinha acabado de ver, tão pouco na reação dela...Como tinha a audácia de fazer isso comigo. De novo. Sem pensar, corri do banheiro até o salão, e do salão, até a saída.

No estacionamento, avistei entrar num carro, um Lexus preto.

—Cíntia! Ó, Cíntia! — gritava, balançando os braços. — Sou eu, Lara.

E o carro partiu.

E corri atrás, virando a esquina e torcendo para que ele parasse em um sinal. Com as pernas bambas e arfando, fui acometida por espasmos violentos no estômago, só dando tempo de afastar os pés para não vomitar no tênis.

Merda.

Merda.

Limpei a boca no dorso da mão.

Caminhando de volta ao bar, remoía um arrependimento bem triste. Parte do dinheiro, gastei com com bebida, bebidas que nem eram tão boas e vomitei. Tinha sido tão ingênua, para não falar burra, quanto qualquer um dos caipiras de Saint Croix des Âmes que eu tirava dinheiro fingindo ser uma vidente ao acreditar que conseguiria algo do vampiro. E corri atrás de alguém que parecia não muito feliz ao me encontrar. E ver que os números de portas fechadas das lojas estavam diminuindo, e que a rua começava a ficar mais escura, me apertou o coração.

Aperto que piorou ao chegar numa bifurcação que eu não tinha visto antes.

Será que era cedo demais ou já poderia sentar no meio fio e chorar?

—O que mais me falta acontecer? — gritei, ao céu.

O quarto daquele hotel fuleiro que cheirava a cigarro e azedo parecia tão sedutor naquele momento. Caminhei devagar imaginando se eu tomaria banho, ou se deitaria na cama suja mesmo, até parar por achar que estava sendo observada. De novo.

Das cinzasWhere stories live. Discover now