8-O DIABO VAI ME LIBERTAR

111 12 0
                                    


"O Diabo vai fazer de mim um homem livre

O diabo vai me libertar"

Broken Bones- Kaleo


Acordei com a luz do sol invadindo o apartamento, e me virando de costa para janela acrescentei à lista mental, que crescia a cada dia, uma cortina.

Como de costume alisei a pedra em meu pescoço, e por instantes, pude senti-la pulsar como no sonho. Contudo a impressão desapareceu junto às lembranças, deixando só a sensação melancólica. Fechei os olhos com força, tentando voltar a dormir ou recordar detalhes, mas foi sem sucesso.

Ao menos, não ardia em febre, e isso era tudo o que poderia dizer dos novos sonhos, além de ainda me sentir triste e cada vez, estranhamente, mais encantada com aquele homem, como se eu pudesse a qualquer momento me descobrir apaixonada por ele. E talvez, eu estivesse. Só não fazia ideia do porque sonhava com eles, com ela. Às vezes, eu pensava em uma hipótese, duas, para ser sincera.

A primeira era que tínhamos alguma ligação direta, seja por reencarnação ou por descendência. A segunda, que isso era algum tipo de efeito colateral de ser atacada pelo vampiro, que pela lógica não dava para afirmar que foi o Eric, já que foi ele quem me salvou. Então, o vampiro ou a vampira deve ter me passado suas memórias sem querer.

As duas eram igualmente idiotas, e bastante plausíveis dependendo do dia em que as analisavam; mas, no final, eram apenas suposições.

Virei na cama e percebi que estava oficialmente acordada, pulei do colchão para o banheiro olhando com orgulho para as minhas pequenas conquistas: um jogo de toalha de banho, um jogo de lençol e copos. Era pouco, mas ainda meu.

O que não era meu, aparentemente, era o direito de saber sobre o meu passado.

Tecnicamente, era só uns dias, mas parecia que passaram-se semanas desde que eu havia visto Eric pela última vez. Óbvio que ninguém me falou para onde ele foi; e pra que me diriam, era apenas a garçonete humana. No fundo, eu pouco me importava onde ele estava, contanto que voltasse logo para que eu nunca mais precisasse ficar perto de um vampiro novamente. Ou dos vampirófilos, ou dos odiadores de ambos.

Ao ouvir as batidas na porta, enquanto terminava de me vestir após o banho, o coração falhou uma batida. Maldito medo que me deixava paralisada. E assim que as batidas no meu peito normalizaram, fui até a porta, me esticando toda para olhar pelo olho mágico.

Sorri ao ver o corpo magro, alto, e o rosto simpático de Miguel segurando uma sacola de papel numa mão, e um amontoado de ferro embrulhado na outra. E após nos cumprimentarmos, ele me entregou a sacola, colocou o embrulhado no canto vazio do apartamento e foi até a janela, comigo ao seu lado.

— Gata, esse lugar é maravilhoso, sabia? A localização, apesar da vizinhança, é ótima.— Com a cabeça ele apontava para um casal que saía de um sedã adesivado no para-brisa "Deus não ama as presas." — Como você achou esse lugar tão barato?

— Humm... não é? Um amigo me ajudou. — Arranquei um naco grande do bagel. — E o que é aquilo ali?

— Ah...é uma arara velha minha. Tá meio capenga, mas vai te ajudar até você conseguir algo melhor... O teu amigo é o coroa estranho do outro dia?

Eu tinha duas opções: contar a verdade ou deixá-lo pensar que eu era algum tipo de jovem sustentada por homens de meia idade em troca de sei lá o quê. Achei a segunda opção mais segura e confirmei com a cabeça. Ele me olhou como se dissesse "sem julgamento". Respirei aliviada.

Das cinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora