CORAÇÃO A UM ESTRANHO

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Eu dei meu coração para um estranho

Pai, me perdoe por isso

Mas eu não quero de volta

Se essa dor é o que significa ter

Então eu prefiro ficar sem ele

Fleurs Douces — Heart To a Stranger


— Achei que tu chegarias nunca — Acácia saudou o forasteiro com o semblante sorridente, diferente do tom de voz imperioso.

— Perdoai minha demora, perdi-me no caminho. — Ele também sorria. — Mas cá estou, não precisas ralhar.

— Venhas, quero mostrar-te algo. — Ela o segurou pela mão o puxando para dentro da mata em que se escondia dos olhares curiosos.

Era a terceira vez que encontrava com o estrangeiro naquela semana, e era a primeira vez à luz do dia; e sozinhos, e os dois caminharam por uma trilha que parecia abandonada, ouvindo o canto dos pássaros mesclado ao solfejar suave da jovem. Ela não conseguia esconder a felicidade que sentia por apenas poder andar ao lado dele; no entanto, não era possível fingir não notar todas aquelas emoções conflituosas que ele emanava.

— Não temas...

— Não há temor em mim.

Ela sorriu e tentada a perturbar a vaidade do guerreiro, disse:

—Como sabes que não quero-te mal algum?

— Não sei.

— E mesmo assim não me temes? Devo parecer a ti o mesmo que uma flor de estufa?

— Beleza certamente tens, como uma flor, mas a mim se iguala as estás selvagens que nos rodeiam. E como sabes, tu, que podes confiar em mim?

— Se acaso pudesse enxergá-te com olhos como o da Minha Senhora, diria-te que sei pois conheço teu coração, mas não posso. Então, estamos ambos a dar um salto de fé! Ouves? Estamos perto.

A cada passo que davam, o som da queda d'água ficava mais forte e a vegetação densa se tornava mais escassa. E em pouco tempo, chegaram numa piscina natural de águas quentes e cristalinas, circundada por pedras brancas em meio a clareia.

— Esse é meu pequeno paraíso.

Era ali, que vez ou outra, a jovem escapava de todas as rígidas regras que lhe eram impostas. E tomada pela coragem, Acácia beijou a face surpresa do homem e correu até a piscina largando as peças de suas vestes pelas relvas no caminho. Seguindo os passos da jovem, o estrangeiro também tirou suas vestes e se acomodou de frente a ela dentro d'água.

Naquele espaço pequeno, os corpos dos dois estavam bem próximos e nenhum dos dois ousou desviar os olhos um do outro. Aos poucos, braços e pernas estavam unidos em um abraço, o beijo ardente tomou o fôlego.

Tudo o que Acácia sentia, em cada fibra do seu corpo, era desejo. Séculos de existência e nada e ninguém havia despertado nela tais emoções. Contudo não era só uma questão de pele, carne, mesmo que não tivesse se entregando à luxúria, ainda assim, ela sabia que uma vez que ele havia entrado na sua vida, nada seria igual, pois era amor que sentia.

— Sou um homem feito, guerreiro, já passei da idade das paixões violentas e o desejo da carne ofuscar-me a mente. — Ele a segurava pelos cabelos enquanto a beijava com ardor.— Então, que magias fizestes, Acácia, diga-me, por que desde que conheci esse seus abismo negros, meu peito queima em ânsia tua, e meus passos segues o teus? Por que sinto que serei consumido por essa aflição?

— Causas em mim os mesmos sentimentos, mas não ressinto e tão pouco lutarei contra, pois é uma bravata perdida.

O estrangeiro a apertou contra seu corpo, beijando com paixão seu pescoço e ombro.

— Venhas comigo quando eu for. E mostrarei-te os mares e terra do norte. Apresentarei-te ao meu povo, as minhas terras, aos meus filhos, aos meus Deuses. Venhas comigo, dê-me filhos e seja minha até que nossos dias findes nessa terra e sejamos levados para Valhalla.

E pela primeira vez, a jovem se deu conta de que não havia futuro para os dois. Mas o amor era demasiado para não demonstrar, egoísta na mesma proporção para não saber a hora de parar.

Exaustos, os dois amantes descansavam, sobre as roupas jogadas no chão. Com a cabeça no peito de Leif, acácia ouvia o coração dele bater, e mesmo de olhos fechados ela sabia que ele sorria. Ao ouvir ao longe um canto de um rouxinol a tristeza atravessou. Era hora de voltar. Ela se sentou de costas para ele, enquanto pegava as roupas.

— Irás comigo?

— Não posso!

— Não podes ou não queres?

—Tenho cá minhas obrigações, Leif, assim como tens além-mar as tuas...

Ele girou o corpo e se sentou de frente a ela.

— Eu abjuraria tudo, é só pedires.

—Há verdade em cada palavras que me presenteias, contudo, não posso pedir-te isso tão pouco...

— Não podes ir comigo e nem queres que eu fique?! Eu sabia que um dia sentiria na pele as dores que deixei em cada porto. — Ele descansou sua testa na dela. — Diga-me porque, Acácia.

Posta contra a parede, a jovem desviou o olhar. E seus dedos ágeis foram até o nós do cordão que carregava, o desatando. E entregou ao estrangeiro.

— Esse é meu maior tesouro, meu coração... e quero dar-te...

— Não quero esse teu tesouro, pois parece-me uma despedida... quero que vás comigo...ou diga-me o por quê.

Ele não sabia o que aquilo significava, a vida longa e o futuro que ter aquilo proporciona a ele, mas a rejeição do presente magoou profundamente a jovem. Ela atou o cordão de volta ao pescoço, e respondeu a pergunta do estrangeiro:

— Se ficares, não poderemos ficar juntos. Isto — Ela apontou para ambos. — Não é permitido. E se tudo fosse diferente, ainda assim, me ressentirias com o tempo. Abjurarias da tua liberdade, terras, filhos, e eu nunca ... eu nunca — Ela se afastou com lágrimas nos olhos. — Não sou como as outras mulheres, suas sementes... eu não posso te dar filhos! E eu nunca, nunca iria te encontrar na outra vida. 

Das cinzasWhere stories live. Discover now