40- VERMELHO DO SANGUE

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— Você está bem? — Eric passou a mão em meu rosto, limpando o sangue que cobria meus olhos. — Lara, fala comigo, você está bem?

Meu corpo sacolejou, primeiro devagar, depois com menos delicadeza, pisquei duas vezes, e só então realmente consegui ver o vampiro, em cima de mim, com sua túnica de veludo coberta de pó e seu rosto chamuscado em algumas partes se refazendo. Pisquei uma terceira, e balancei a cabeça em confirmação.

Ele rolou para o lado, e se levantou em seguida, me puxando junto. Cacos de vidro caíram do meu cabelo, e os cortes mais superficiais desapareciam pelo meu corpo, pois o sangue, que se transformava em cinzas, os curavam, mas um tsunami de emoções chegava em mim, um misto de medo, raiva e dor, me deixando tão fraca que era difícil até respirar.

Cambaleando, fui percorrendo o salão As flores vermelhas da decoração estavam enegrecidas e havia cheiro de sangue e carne queimada por todo o lugar. A pobre da noiva estava de pé, a mão sobre a barriga e a boca aberta, sem sair um som sequer, olhando o corpo do marido morto. O branco do vestido dela coberto de vermelho do sangue dele. Vampiros machucados tiravam os escombros e mesas retorcidas em cima de alguns humanos, e humanos ofereciam seu sangue para curar os vampiros mais debilitados. Corri os olhos em busca dos meus, Pam estava de pé, praguejando alto, e Eric já estava ao seu lado. Belinda estava caída entre algumas mesas, e Ginger tentava ajudar. Fui em direção a elas.

E pela segunda vez, fomos atacados.

Os vampiros, mais atentos, gritaram antes " Para o chão". Mas nem todos foram rápidos o suficiente.

Eu não fui.

Uma piscada, e Eric estava sobre mim, com uma das mesas como escudo, me abraçando enquanto os gritos de dor e pânico preenchia o lugar de novo e as balas que atravessaram as paredes ricochetearam pelo bar.

Em meio a quietude assustadora que veio depois, de olhos fechados, o som de uma respiração sufocada, como quem se afoga, cortou, por um segundo, o silêncio. Estava mais consciente do mundo como jamais havia estado. Eu tocava a alma de cada um dos seres vivos daquele lugar, trouxe para mim a angústia, o terror, o medo, a raiva; quanto mais aterrorizador era o sentimento, mais eles vinham a mim como seu eu fosse um imã.

Em algum lugar daquele bar, Ginger lutava para sobreviver, ansiava pela salvação e vida eterna. Quis gritar para algum vampiro a transformá-la. Quis levantar, queria curá-la mas não consegui. Não consegui nem abri os olhos, tudo o que havia era aquele som borbulhante cada vez mais alto, como se fosse eu a fonte, e a morte, branca e vazia, dela se entranhando na minha mente.

Se um dia, nessa existência, odiei meu dom, foi naquela noite. Enquanto me afogava no meu próprio sangue, vivenciei a morte de todos que partiram.

Algo morno e pastoso, quase doce, preencheu minha boca descendo pela garganta, podia sentir aquilo agir, aliviando minhas dores, devolvendo minhas forças e bloqueando as emoções alheias. Abri meus olhos, e Eric estava com seu pulso contra meus lábios. Sem pensar muito, o agarrei com as minhas duas mãos e suguei o sangue. Então suguei mais e mais, e observei ao redor do vampiro uma aura enorme, vermelho escura quase como uma sombra e ao fundo, entre gemidos e choro, o som da sirene da policia e ambulância ficando mais forte.

E sua áurea sumiu junto assim que ele puxou o braço e me ajudou a sentar no pé do bar. Senti o pescoço estalar e balancei ele, de um lado para outro. Não doía nada, mas a sensação era como se estivesse enferrujado. Com a mão tateei o lado que mais agarrava e senti três protuberâncias marcando a pele.

— São estilhaços da bala. Alguns estão presos no osso, não são perigosos e nem vão sair sozinhos. Assim que isso tudo acabar, vamos tirar isso. — A raiva escapava por entre os dentes, nos " r" pronunciados das palavras que sua voz baixa e compassada exprimia. Não era pessoal, sabia, por isso apertei com força a mão dele quando cobriu a minha que ainda estava no pescoço. Era a minha forma de acalmá-lo.

Das cinzasWhere stories live. Discover now