13-UMA GELADEIRA BONITA

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Acordei com alguém batendo à porta. Resmungando com o nada, me levantei em um pulo e fui até ela. Esfregando os olhos sujos de remela me estiquei para ver pelo olho mágico quem estava do outro lado.

— Já vai! — Corri para colocar a bermuda e enrolar os cabelos em um coque. Fui ao banheiro lavar a boca com enxaguante só para disfarçar o mau hálito. — Só um instante.

— Bom dia, senhorita Lara Doe! — Bruce entrou no apartamento assim que abri a porta seguido por dois homens vestidos de macacão cinza com os quais conversava. — É aquela janela ali. A película também será colocada, certo? — Os homens assentiram e passaram por mim. — A senhorita precisa assinar isso aqui.

—B-bom dia. — disse olhando para o homem de meia idade com olheiras profundas e para os homens que mediam a janela. — E o que é isso?

— É o termo de prestação de serviço da empresa que irá substituir a janela. São só formalidades. — Ainda mal acordada assinei, o advogado pegou o telefone celular e discou. Dada a rapidez com que fez tudo, a pessoa do outro lado já estava no aguardo, e após três palavras ( vocês podem subir) desligou e olhou para mim. — Você queria conversar comigo sobre questões legais, correto? Você conhece algum lugar em que a gente possa conversar? Além de barulhenta, as coisas irão demorar por aqui.

—Que?! Como assim? — perguntei meio afoita e o advogado me olhou como se estivesse com pressa. — Tá, pode me dar alguns minutos? — Entrei no banheiro e troquei a roupa de dormir pelo vestido da noite anterior, por ser o que estava disponível, peguei a bolsinha. — Você vai me explicar tudo isso, né?

E saímos em silêncio.

— Aqueles homens, como disse, irão trocar sua janela. Eles são bons homens. Sua casa não será violada. — ele disse sentado na cafeteria a dois quarteirões de casa enquanto eu bebia chá, morta de curiosidade. —Mas vamos ao que interessa: o Senhor Northman me explicou sua situação e pediu para orientá-la legalmente. O processo de anulação da certidão de óbito é demorado, porém simples. Seria mais simples ainda se a senhorita fosse um vampiro. De toda forma, precisamos de fotos, exames que provem que você é você. Sobre as contas do Senhor Kyrgios essas serão mais difíceis de acessar. Veja bem, a hipótese mais racional é que ele cometeu fraude no seguro e se isso for confirmado o dinheiro da conta terá que ser devolvido.

Balançava a cabeça, retendo apenas metade da informação. Meu cérebro ainda zunia com todos os ruídos da noite anterior: Taylor. Beijo. Encontro. Vampiro. Contornos. O maldito contorno que voltei a ver. E o do Bruce era amarelo vibrante.

— Senhorita Lara, a senhorita me compreendeu?

— Sim, sim. Mas, Eric me convenceu ontem a noite a não fazer isso. Não sei porque ele pediu para você conversar comigo.

— Acredito que ele queira que a senhorita tenha conhecimento das suas opções. Foi isso, ao menos, que ele me disse. Em todo caso, só faço o que me mandam.

— Entendo. Mesmo assim, muito obrigada, Bruce. Se um dia eu mudar de ideia...

— Meus serviços são caros, senhorita.

Voltamos caminhando para o apartamento com o sol de meados de agosto criando vapor no asfalto às onze da manhã. Eu limpava o buço de suor com o dorso da mão tentando entender porque o homem de meia idade, que passava o lenço bege numa luta perdida com a transpiração, havia insistido tanto em fazer aquele trajeto a pé sendo que era nítido seu despreparo físico e a péssima escolha de guarda roupa com aquele terno escuro.

Ele também olhava, vez ou outra, ressabiado para mim. Talvez pensasse em porque Eric estivesse me ajudando. Ou estivesse preocupado com o que ele estava fazendo comigo. Eu nunca saberia, mas pelo olhar do advogado chutaria os dois. Ou ele só estava prestes a ter uma síncope.

Das cinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora